“A eliminação de comentários sobre Tiananmen num debate televisivo na TDM, que levou dois comentadores a abandonar o programa, é totalmente inaceitável”, disse hoje o diretor da delegação dos RSF para o Leste Asiático, Cédric Alviani, numa declaração por escrito enviada à agência Lusa.

O responsável para a região considerou que o caso “ecoa ataques semelhantes perpetrados em Hong Kong nos últimos anos”, afirmando estar “muito preocupado com as recentes ameaças à independência do órgão de comunicação público TDM”.

“As regiões administrativas especiais de Hong Kong e Macau são os últimos locais na China onde a liberdade de informação ainda é aplicada e seria uma perda terrível para toda a população chinesa se o regime de Pequim conseguisse suprimir esta liberdade”, concluiu.

Dois comentadores do programa de debate em língua portuguesa “Contraponto” deixaram a emissão em 08 de junho, em protesto contra a “censura” a comentários à proibição da vigília de Tiananmen em Macau, disse na quarta-feira à Lusa o advogado Frederico Rato.

O programa, transmitido em diferido em 30 de maio, passou sem os comentários do jurista, que considerava que a interdição da vigília violava a Lei Básica, a mini-constituição do território, correndo esta “o risco de passar a letra morta”.

Na quarta-feira, a Associação de Imprensa em Português e Inglês de Macau (AIPIM) também manifestou “preocupação” com o caso.

“Estas situações e o que veio a público são motivo de atenção e preocupação por parte dos nossos associados”, escreveu a AIPIM, numa declaração enviada à Agência Lusa.

Além de cortar declarações sobre Tiananmen do debate pré-gravado, o canal também eliminou reportagens da versão ‘online’ do Telejornal em português, transmitido no dia 04 de junho, data em que se assinalava o 32.º aniversário do massacre, segundo informação avançada na terça-feira pelo jornal Expresso.

Um dia antes, a TDM confirmou, em resposta a questões “de um órgão de comunicação social”, que “foi decidido remover o comentário” do programa semanal “Contraponto”, gravado em 28 de maio, alegando que “os comentadores opinaram sobre um processo que decorria no âmbito do Tribunal de Última Instância”, um recurso apresentado pelos organizadores da vigília, após a proibição da polícia, “e, do qual, não havia ainda uma decisão final”.

“Tendo a TDM em consideração que não é conveniente fazer quaisquer comentários ou emitir opiniões sobre casos cujo processo judicial ainda se encontre em curso, foi decidido remover o comentário”, disse a estação, uma justificação criticado pela AIPIM.

“Objetivamente não vislumbramos motivo que impeça comentadores de se pronunciarem sobre processos em curso nos tribunais, independentemente da natureza dos mesmos e desde que se respeitem as regras e os princípios aplicáveis, como o segredo de justiça ou a presunção de inocência (…), como aliás tem sido prática”, criticou a associação, considerando que se trata de uma situação “inédita no referido espaço de opinião e análise”.

Um dos antigos comentadores do programa, o advogado Frederico Rato, também contestou as justificações da estação.

“Para já, pode-se falar [sobre processos em curso], os advogados [nas causas] é que não podem, mas eu não estava lá na condição de advogado, e além disso não falei nem um segundo na gravação sobre qualquer decisão de qualquer tribunal”, acrescentou o jurista, que fazia parte do painel de comentadores há dez anos.

No comunicado divulgado na segunda-feira, a TDM confirmou também que “foi retirada uma reportagem da versão final disponível no website” do Telejornal transmitido em 04 de junho, afirmando que “não tinha sido previamente visionada”, que “a jornalista também não tinha seguido as instruções que lhe tinham sido dadas pelo editor” e que “a [sua] inclusão nada acrescentaria em termos de informação”.

De acordo com o Expresso, em causa está uma de quatro reportagens sobre a proibição da vigília transmitidas no Telejornal, com críticas da associação Novo Macau à interdição.

Em março, a TDM foi alvo de polémica, após a estação proibir os jornalistas do serviço de rádio em língua portuguesa de divulgar informação contrária às políticas da China e do Governo de Macau, instando-os ainda a aderir ao “princípio do patriotismo”, tal como a Lusa noticiou.

O caso levou à demissão de uma dezena de jornalistas, tendo o Executivo de Macau negado que o território estivesse a impor restrições à liberdade de imprensa.

Nessa altura, o ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Augusto Santos Silva, disse à Lusa que o Governo “esperava” que a China cumprisse a Lei Básica de Macau, nomeadamente, “em matéria de liberdade de imprensa”.