Na lei 45/2018 está prevista a avaliação do regime jurídico três anos após a entrada em vigor. A avaliação aconteceu, tendo o Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT) apresentado no relatório final propostas de ajustamento das regras em vigor. Contudo, o documento, datado de dezembro de 2021, apenas foi tornado público já no final de 2022.

Já este ano, o Governo voltou a adiar a revisão da lei que rege a atividade do setor TVDE, prevendo agora que esteja concluída em 2024.

Em fevereiro, na Assembleia da República, o ministro do Ambiente e da Ação Climática, Duarte Cordeiro, disse que o processo de revisão daquela que ficou conhecida como ‘Lei Uber’ será feito depois de terminadas as alterações à Agenda do Trabalho Digno e de conhecidas as medidas da União Europeia para o setor.

Portugal, que foi um dos pioneiros na elaboração de legislação para o setor do TVDE, que não existe na maioria dos países europeus, está agora à espera da proposta de diretiva da União Europeia, que está em discussão, para fazer as alterações à lei.

A diretiva pretende introduzir uma presunção de laboralidade na relação contratual existente entre a plataforma e o trabalhador, através da verificação de certos indícios, tendo em conta que não é explícito se os motoristas da plataforma digital são prestadores independentes ou trabalhadores subordinados.

Conforme explicou à Lusa Monique Arruda, investigadora no Centro de Estudos e Investigação em Direito da Universidade Católica Portuguesa, quando legislou sobre o assunto Portugal criou a figura de “uma quarta pessoa”, além do operador de plataforma, cliente e prestador de serviço, que foi o operador de TVDE.

“Para resolver o problema fiscal e os problemas existentes com o setor do táxi, a opção do legislador foi criar a figura do operador de TVDE para operar a Uber e a Bolt no transporte de passageiros, mas os motoristas não estão ligados ao operador de plataforma”, disse.

De acordo com a investigadora, tal facto “desonera a plataforma digital”, já que “não é a empregadora em si, só o operador de TVDE pode ou não fazer contrato de trabalho com o motorista”.

Portugal foi, mais uma vez pioneiro, ainda segundo Monique Arruda, ao criar “a presunção de laboralidade do trabalho em plataformas digitais com o artigo 12.º-A do Código do Trabalho”.

A investigadora lembrou também que, em outubro de 2022, Portugal assinou uma carta rejeitando a adoção de medidas que “apenas perpetuam o desequilíbrio existente” entre as plataformas digitais e os trabalhadores, defendendo que a transição verde e digital ocorra “de mãos dadas com os direitos dos trabalhadores”.

Também a advogada-estagiária Carolina Rufino, cuja tese de mestrado na Faculdade de Direito da Universidade Católica teve como tema o “Vínculo contratual de trabalhadores em plataformas digitais: o caso concreto dos motoristas TVDE”, explicou ter chegado à conclusão, “após estudar várias questões”, que os motoristas “são trabalhadores e não prestadores de serviços”.

De acordo com Carolina Rufino, a questão jurídica estudada foi a classificação do vínculo jurídico dos motoristas TVDE, sendo que o problema se prende com a posição que a plataforma digital assume na relação com o motorista TVDE, na medida em que “esta não é, nem pretende ser considerada como entidade patronal, mas como mero serviço de intermediação de transportes”.

“Foi muito vendida a ideia de que trabalhar com TVDE permitia que o motorista fosse o seu próprio patrão, mas na verdade quando analisados todos os fatores não é bem o que acontece, apesar de terem uma livre escolha de horários ou trabalhar as horas que quiserem”, explicou.

Carolina Rufino sublinhou, no entanto, que apesar da escolha dos horários em que trabalham e das horas que fazem, isso tem “impacto na retribuição, que é precisamente variável tendo em conta o número de viagens realizadas” para atingir um determinado número que irá dar bónus ao motorista pelo operador da plataforma.

“Parece que é o motorista quem controla o seu tempo, mas é a plataforma que exerce muito controlo sobre o trabalhador, uma vez que fixa a remuneração que este recebe por cada viagem, tem acesso constante à sua localização GPS, aplica sanções consoante a avaliação dos clientes, podendo até bani-los”, tendo ainda em conta um algoritmo que nem o próprio operador de TVDE conhece, podendo este último fazer ou não um contrato de trabalho, acrescentou.

Atualmente, cinco anos após a entrada da lei em vigor, publicada em Diário da República em agosto de 2018, são duas as plataformas TVDE a trabalhar no país: Uber e Bolt.