"Nós mandámos a toalha ao chão, porque nos sentimos cercadas por um clima de desconfiança e progressiva falta de legitimidade", escreve a fundadora italiana Lucetta Scaraffia, numa carta ao papa Francisco enviada hoje e que será publicada na edição de abril, a derradeira para a revista.

Para a historiadora e jornalista católica feminista, "com o encerramento de 'Donne Chiesa Mondo', uma experiência nova e excecional para a Igreja, acabou, ou mais exatamente, colapsou".

"Pela primeira vez, um grupo de mulheres, que se organizou autonomamente e decidia as tarefas e a entrada de novas editoras, pôde trabalhar no coração do Vaticano e nas comunicações da Santa Sé, com inteligência e mente livre, graças ao apoio de dois papas", recorda.

Nascida há sete anos com a aprovação de Bento XVI, a publicação mensal era subordinada ao "Osservatore Romano", o jornal oficial do Vaticano.

Segundo o jornal The Guardian, Scaraffia terá dito a este diário inglês que a situação de apoio começou a mudar com a nomeação do escritor Andrea Monda para o cargo de diretor do Osservatore Romano. O anterior detentor do posto, Giovanni Maria Vian, professor universitário erudito, apoiava a revista, mas Monda representou uma mudança de atitude, tendo rapidamente dado a intenção de que queria assumir as rédeas da revista, não o tendo feito apenas porque a equipa editorial ameaçou demitir-se.

"Queria controlar toda a comunicação", denunciou Scaraffia ao jornal inglês, acrescentando que até à chegada de Monda a equipa tinha gozado de espaço mas que "eles não puderam aceitar isto", sendo que a atual situação "tem causado muito sofrimento".

Em causa têm estado as tentativas subsequentes de controlo da revista, ao tentar influenciar a linha editorial e tentar deslegitimar a publicação no seio da Santa Sé, tentado também convidar outras escritoras com opiniões contrárias à da equipa editorial.

A revista publicou muitos textos sobre espiritualidade e teologia, mas também sobre temas feministas, como a exploração servil de religiosas, muitas vezes sem qualquer tipo de remuneração.

Em fevereiro, publicou uma peça sobre freiras violadas, forçadas a abortar, ou a criar sozinhas os seus filhos sem reconhecimento dos pais, e também expulsas das suas comunidades, texto esse que causou muito desconforto junto das altas instâncias do Vaticano.

O papa Francisco mais tarde admitiu pela primeira vez que os padres haviam cometido tais abusos.

Scaraffia também publicou o editorial da última edição que, teoricamente, deveria sair em 1º de abril, o qual apontava o dedo para a "nova direção do Osservatore Romano", confessando "não existirem condições" para continuar.

"Estão a voltar às práticas de escolher mulheres que garantam obediência", escreveu Scaraffia no texto, dizendo que se está a voltar à "auto-referenciação clerical e a abandonar a parresia [liberdade de opinião] de que o Papa Francisco tanto procura".

Da parte de Monda, o diretor do Osservatore Romano negou as tentativas de interferência e disse que a revista vai continuar com uma nova equipa.