Quando completou 73 anos, Isabel II já era rainha há mais de 40 anos. Vivia-se o ano de 1999 e o primogénito da rainha e herdeiro da coroa, Carlos, Príncipe de Gales, contava 51 anos, um casamento falhado, uma relação simultaneamente conivente e conturbada com as obrigações da sua condição e uma certa amargura do povo inglês, dois anos depois da morte da princesa Diana, mãe dos seus dois filhos.
Ninguém sabia, nem poderia saber, que esperaria mais 22 anos até se tornar rei. Uma expectativa que dificilmente é gentil no contexto de uma relação de mãe e filho, já que a sucessão teve sempre implícita a morte ou a incapacidade da monarca. Ora, incapacidade foi o que Isabel II não teve nos seus 96 anos de vida, só mostrando uma saúde mais débil no último ano e, ainda assim, não deixando de manter, na medida do possível, as suas obrigações de rainha.
Não é de estranhar que nesse poço sem fundo que é a internet, uma das perguntas listadas como frequentes sobre o agora rei Carlos III fosse “será que o príncipe Carlos alguma vez será rei?”. Nunca nenhum rei na História de Inglaterra ficou tanto tempo em fila de espera na sucessão; antes de Carlos, o recorde pertencia a Eduardo VII, filho da rainha Vitória, mas que ainda assim subiu ao trono com 59 anos. É também o monarca mais velho a herdar a coroa, antes dele esse recorde pertencia a Guilherme IV, que tinha 64 anos quando se tornou rei, em 1831.
Foi longa a espera, mas não fez dele um rei muito aguardado. É "apenas" s 17º. membro da família real mais popular entre os britânicos, sendo ultrapassado inclusive pela irmã, a discreta princesa Ana. Segundo os dados da YouGov, teve apenas 54% de opiniões favoráveis em agosto de 2021, muito atrás da rainha (80%), do filho príncipe William (78%), da nora Kate Middleton (75%) e da irmã, a Princesa Anne (65%). 25% dos britânicos dizem mesmo que não gostam dele e 30% sentem-se, simplesmente, neutrais.
Na lista de preferências, está há muito Príncipe William, primogénito de Carlos e Diana, e apesar de ter havido alguma especulação sobre a possibilidade de uma abdicação de pai para filho, não só não aconteceu, como, segundo vários analistas, nunca esteve para acontecer. Porquê? Porque apesar de várias divergências familiares, Carlos foi preparado e preparou-se para ser rei ao longo de toda a vida. Tinha apenas 3 anos quando a mãe foi proclamada rainha e chega ao trono quase 70 anos depois. William, atualmente com 40 anos e segundo na linha de sucessão, será agora o príncipe na fila de espera.
"Tensão no palácio, Carlos recusa-se a ser um rei mudo"
Carlos chega ao trono com uma reputação de ser mais politicamente ativo do que a mãe, tendo ligação estreita a várias causas que vão desde a agricultura biológica à pobreza juvenil. Tem também fortes interesses nas artes, sobretudo na arquitetura clássica.
O novo rei britânico, até agora conhecido como príncipe Carlos, vai adotar o nome de Carlos III. Há quem ache que foi pouco original - , "ele poderia surpreender e usar outro de seus nomes, como fez seu bisavô em 1901", disse à AFP Bob Morris, autor de vários livros sobre o futuro da monarquia no Reino Unido , mas na verdade usar o nome de nascença até é uma originalidade no Reino Unido, tendo Isabel II sido uma das percursoras.
Em dezembro de 2016, no mesmo ano em que Inglaterra referndava a saída da União Europeia, Carlos dava voz à denúncia do populismo e mostrava-se publicamente contra a hostilidade demonstrada por alguns grupos em relação aos refugiados.
"Estamos a ver a ascensão de muitos grupos populistas em todo o mundo, crescentemente agressivos em relação aos que professam uma fé minoritária". Tudo isso tem ecos profundamente inquietantes dos dias obscuros dos anos 1930", sentenciou.
O seu "ativismo" deu lugar a manchetes como: "Tensão no palácio, Carlos recusa-se a ser um rei mudo" (Sunday Times), ou "a rainha teme que o país não esteja preparado para aceitar Carlos e o seu ativismo" (The Times).
As duas manchetes respondiam a uma biografia polémica, "Carlos: o coração de um rei" (Charles: Heart of a King), cuja autora, Catherine Mayer, o apresentou como um homem "sem entusiasmo" para substituir a mãe, por medo de ter que abandonar os seus interesses, e cercado de muita gente disposta a servi-lo.
Camilla, a rainha consorte
Uma campanha de relações públicas vigorosa ajudou-o a virar a página da sua impopularidade no momento da morte trágica de ex-mulher, a Princesa Diana, em 1997, de quem havia se divorciado. Ajudou-o também a gerir o novo casamento com Camilla, a mulher porque esteve apaixonado toda a vida, em 2005.
Apesar de carregar o rótulo de ser a mulher por trás do divórcio, Camilla, extrovertida e risonha, acabou por ganhar a simpatia da maioria dos britânicos.
Nesta quinta-feira, tornou-se automaticamente rainha consorte por desejo expresso de Isabel II, que o disse num discurso em fevereiro de 2022 por ocasião de seus 70 anos de reinado. É o título que a sua mãe e a sua avó tiveram.
O novo rei assume as rédeas de uma instituição com um papel reduzido no mundo, numa época e idade que representam um duplo desafio para este príncipe de personalidade singular.
Desde os seus primeiros compromissos oficiais na década de 1970, o papel do príncipe de Gales tem sido de "apoio", recebendo dignitários, participando de jantares de Estado e viajando para uma centena de países, especialmente depois que Isabel II ficou com a saúde mais frágil.
Desde a morte de seu pai, Philip, em abril de 2021, e enquanto a rainha estava menos presente por motivos de saúde, Carlos estreitou o círculo real para sua comitiva mais próxima: Camila, William e seu irmão mais novo Edward.
Ninguém sabe como Charles Philip Arthur George vai encarnar a monarquia britânica, mas aconteça o que acontecer, não será por falta de tempo de preparação.
*Com AFP
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