Depois de várias denúncias de roubo de cortiça feitas nomeadamente em propriedades do norte Alentejo e Ribatejo, o SAPO24 procurou saber o que estão a fazer as autoridades responsáveis e como é que os proprietários estão a ser afetados.

Em declarações enviadas ao SAPO24, a GNR sublinhou que os distritos mais afetados nos últimos dois anos ano pelo roubo de cortiça a nível nacional são Setúbal, Santarém, Portalegre, Castelo Branco e Évora, estando até ao momento registados 465 crimes de furto de cortiça. Porém, apenas a até ao dia 31 de julho de 2024 já há registo de 268 crimes deste tipo.

A GNR acrescenta que a prática deste tipo de ilícito, normalmente está associada a grupos organizados que se dedicam à extração direta da árvore ou ao furto da cortiça empilhada. Existe uma maior preponderância de registos dos primeiros, mesmo tendo em conta a maior dificuldade e demora, pelo facto da existência de mais medidas de segurança passiva que os proprietários implementam à cortiça já retirada, independentemente de ficar armazenada no exterior ou em edifício.

Sobre o tema dos furtos o ICNF (Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas), acrescenta que este tipo de prática "além de constituir um crime por roubo, pode constituir um incumprimento da legislação protecionista do sobreiro e da azinheira por não serem cumpridos os preceitos legais aplicáveis em termos de idade, época e modo da tiragem, pondo em causa a produção futura das árvores ou mesmo a sua sobrevivência".

Sublinha-se que no que diz respeito a este recurso, o processo de extração da cortiça, vulgarmente designado por "descortiçamento", é uma tarefa muito especializada e que recorre a profissionais altamente treinados para o efeito, num processo que tem vindo a ser transmitido por gerações de homens e mulheres que se dedicam a esta tarefa.

A cortiça é extraída do sobreiro com um pequeno machado, durante os meses de verão de maio a agosto. São necessários 25 anos até que a primeira cortiça possa ser extraída de um sobreiro. Cada tronco precisa de atingir 27,5 polegadas de diâmetro e 51 polegadas de altura a partir do nível do solo. A partir desta fase, a árvore pode produzir cortiça aproximadamente de nove em nove anos durante cerca de um século e meio.

Quando a cortiça é extraída, passa por um período final de repouso para estabilização e maturação e só depois parte para o seu comprador e destino final.

Dependendo da maturidade da árvore, a cortiça pode ser utilizada em diferentes situações. A cortiça do primeiro e segundo descortiçamento (virgem e secundeira), bem como os restos da manutenção da árvore, são utilizados para outros produtos que não as rolhas de cortiça (Por exemplo: aglomerado). Já a partir do terceiro descortiçamento está pronta para ser utilizada na produção de rolhas de cortiça.

Tendo em conta o valor deste recurso natural, o ICNF, sublinhou ao SAPO24 que estão preocupados tanto com o furto como com problemas que estes atos provocam nas árvores e na gestão dos povoamentos.

O que pode fazer um proprietário?

Antes de mais é importante salientar que a GNR promove, durante todo o ano, e com maior incidência durante o período em que decorre a Operação Campo Seguro, que decorre entre 1 de julho de 2024 e 16 de fevereiro de 2025, ações de informação e sensibilização junto das comunidades rurais, sobre medidas de prevenção e proteção contra furtos associados às explorações agrícolas e florestais.

Além disto, a autoridade emprega meios e o tipo de ação de sensibilização e intensificação de patrulhamento, em função da sazonalidade das culturas agrícolas e florestais.

Assim aconselham o proprietário de produções de cortiça a agir da seguinte forma para prevenir e combater o roubo da mesma:

  • Instalar alarmes nos equipamentos e instalações mais sensíveis e vulneráveis;
  • Colocar marcas nos equipamentos mais sensíveis e vulneráveis;
  • Reforçar as medidas de proteção de infraestruturas (como por exemplo, instalação de vigilância, restrição de acessos, vedações, instalação de placards de aviso e melhoria das condições de luminosidade);
  • Preferencialmente, e quando colocada em aglomerados ao ar livre, os amontoados de cortiça devem estar junto a locais de fácil acesso, mesmo que seja com veículos todo o terreno;
  • Comunicar à GNR a ocorrência de ilícitos;
  • Preservar o local da ocorrência;
  • Comunicar à GNR potenciais interessados/compradores de cortiça e locais de transformação.

A estes conselhos da GNR o ICNF acrescenta que no que respeita à prevenção, a boa marcação das árvores, visando a identificação da cortiça (marca ou símbolo da exploração), pode constituir um fator de dissuasão da prática de furto. "Os proprietários devem, ainda, promover a vigilância das propriedades, e em particular das pilhas de cortiça enquanto permanecem no terreno, devendo ser transportadas para as unidades industriais logo que possível", refere a autoridade.

Mais ainda, "os proprietários per si ou em conjunto com as associações de produtores florestais, devem ainda articular com as autoridades policiais a vigilância preventiva, na época de maior suscetibilidade a este tipo de ocorrência", refere a autoridade ao SAPO24.

Uma outra forma de identificar o material roubado é os proprietários não esquecerem a obrigatoriedade e necessidade de fazer o "Manifesto de produção suberícola", cujo formulário pode ser encontrado no site do ICNF e deve ser enviado para o endereço dgfc@icnf.pt ou por correio para a sede do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, I. P. Com este manifesto é possível identificar a quantidade de cortiça produzida e garantir que esta está registada oficialmente junto das autoridades.

Qual a importância do setor da cortiça em termos económicos?

De acordo com as "Estatísticas Agrícolas - 2023", publicadas pelo INE (Instituto Nacional de Estatística), o ano agrícola 2022/2023 em Portugal continental caraterizou-se em termos meteorológicos como extremamente quente, sendo o mais quente desde que há registos sistemáticos (ano agrícola 1931/1932).

Neste aspeto e sendo a primavera de 2023 a segunda mais seca desde 1931 (atrás da primavera de 2009, com 96,3mm) e a mais quente deste século, o saldo da balança comercial dos Produtos do setor florestal alcançou 2 923,7 milhões de euros em 2023, recuando 348,4 milhões de euros comparativamente ao ano anterior. No caso específico da cortiça esta registou o saldo mais elevado (943,7 milhões de euros), segundo o INE.

Acrescenta-se ainda que todos os grupos de produtos do setor florestal, com exceção da Cortiça (+22,0 milhões de euros; +8,3%), registaram decréscimos das importações face a 2022, destacando-se o Papel e cartão (-241,1 milhões de euros, -15,2%) e a Madeira (-145,6 milhões de euros, -11,1%).

Em 2023, as exportações de Produtos do setor florestal diminuíram 11,3%, em relação ao ano anterior, atingindo 6 339,7 milhões de euros, com decréscimos em quase todos os grupos de produtos, entre -21,7% no Papel e cartão e -7,6%, na Madeira. A cortiça e os Produtos Resinosos apresentaram aumentos de 1,8%.

O Papel e cartão manteve-se, apesar da descida, como o principal grupo exportado, totalizando 2 289,0 milhões de euros (peso de 36,1%; -4,8 p.p. face a 2022), seguindo-se a cortiça, com 1 231,1 milhões de euros (19,4%; +2,5 p.p.).

A estatística diz ainda que a cortiça, que se manteve como 2.º principal grupo exportado em 2023, teve como principais destinos a França (19,5%; +0,4 p.p.), os Estados Unidos (17,4%; +1,1 p.p.) e a Espanha (16,7%; +0,9%). As exportações de cortiça para estes países registaram crescimentos de, respetivamente, 4,0%, 8,5% e 8,4%.