O presidente do PSD admitiu, em entrevista à RTP, que os negócios do Novo Banco noticiados pelo 'Público' possam ter contornos criminais. Em causa estão a venda de conjuntos de imóveis a fundos imobiliários a preços de saldo.

"Acho que isto é demais", afirma o líder social-democrata. Rui Rio disse ter a certeza de que "o Governo não cuidou de aferir as faturas que o Novo Banco lhe mandou". E admitiu não saber "se o dinheiro ainda é recuperável".

O líder do PSD alertou poder estar a viver-se “uma situação semelhante à do BES — sendo verdade que a instituição emprestou dinheiro para que lhe comprassem imóveis —, e insistiu na necessidade de uma investigação do Ministério Público “a sério” e nas críticas ao Governo por não ter “conferido as faturas” antes de pagar.

“Se tudo isto for verdade, significa que o Novo Banco está a vender abaixo do preço de mercado e a perder dinheiro para beneficiar alguém, sendo que não perde nada, porque são os contribuintes portugueses que lhe devolvem esse dinheiro”, apontou.

"As auditorias feitas desta maneira, por estas empresas, são as mesmas que fazem as auditorias às contas dos bancos", disse ainda o líder social-democrata. "Coisa diferente é a investigação que o Ministério Público possa fazer", explicou, dizendo que "gostava de que fosse diferente". "Deve-se olhar para o contrato de venda à Lone Star e para a forma como está a ser concretizado".

O jornal 'Público' noticiou, no início de julho, que o lote de quase 200 imóveis vendido em agosto de 2019 com um desconto próximo de 70% a entidades ligadas ao fundo de investimento Cerberus teve perdas de 328,8 milhões de euros e que esse fundo é o principal acionista do banco austríaco Bawag PSK, que era liderado por Byron Haines até meados de 2017, pouco antes de este assumir o cargo de 'chairman' do Novo Banco (presidente do Conselho Geral e de Supervisão).

Já esta semana, o Público noticiou que a venda de outro conjunto de imóveis feita em outubro de 2018 (projeto 'Viriato', como designou o Novo Banco) foi feita a entidades de um fundo registado nas ilhas Caimão em que se desconhecem os donos, com preço significativamente abaixo do registado (os imóveis estavam registados no balanço do banco por 631 milhões de euros e foram vendidos por 364 milhões), tendo o Fundo de Resolução coberto perdas de centenas de milhões de euros. Além disso, o negócio foi feito com dinheiro que o Novo Banco emprestou ao fundo para este fazer esta aquisição.

O 'Expresso' noticiou no sábado que António Costa enviou uma carta à procuradora-Geral da República, Lucília Gago, onde pede a suspensão da venda de ativos do Novo Banco até que esteja concluída a auditoria que está a ser feita pela Deloitte.

Segunda a carta, a que a Lusa teve posteriormente acesso, o chefe do Governo fala das acusações feitas no parlamento pelo presidente do PSD, Rui Rio, sobre as vendas de ativos pelo Novo Banco para sustentar o pedido para que o Ministério Público desenvolva "os procedimentos cautelares adequados à proteção dos interesses financeiros do Estado" até que a auditoria esteja concluída.

Na segunda-feira, fonte oficial da PGR disse que a carta de António Costa "encontra-se em análise".

"Compreende-se que muita coisa falhe" na gestão da pandemia

Rui Rio admitiu que "há coisas que estão mal na pandemia", mas que "durante um período de tempo temos de compreender isso": "não havia ninguém licenciado no combate à pandemia", afirmou o presidente do PSD.

Nesta altura, porém, diz que já é tempo de olhar para o que ainda corre mal, quer a recuperação da atividade de saúde para lá da covid-19, quer na retoma da economia: "agora, acredito que o PSD poderia fazer melhor".

Para o líder social-democrata, o governo falhou na gestão dos dossieres do Novo Banco, da TAP, e do hidrogénio. E afasta comentar as "coisas pequeninas", como problemas específicos em hospitais, por exemplo. “São falhas de muitos milhões de euros”, disse.

Sobre a TAP, Rio reiterou que a empresa está tecnicamente falida e, questionado se a alternativa seria “deixar cair”, admitiu essa possibilidade, perante a falta de planos de negócio e de reestruturação credíveis.

“Depende, poderia deixar, venha o plano de negócios e de reestruturação, se for exequível, então talvez sim. Uma coisa mal amanhada, sem grande coragem para reestruturar a empresa, para o contribuinte português mais vale deixar cair. Espero não ter razão, porque se não significa que, além desta fatura, virão mais ao logo dos anos”, alertou.

Agora, Rio aponta, uma vez mais, como “reduzidíssima” a probabilidade de o PSD concordar com o Orçamento do Estado para 2021 “feito por PS, PCP e BE” e até disse estar “curioso” por saber como é que este documento será “sem austeridade”, conforme prometido pelos três partidos.

"Os debates quinzenais apenas existiam para influenciar o noticiário"

Sobre o fim dos debates quinzenais, Rui Rio diz que o tema "foi alvo de muita desinformação". O presidente do PSD diz que "é raro o dia em que um membro do governo não vai ao parlamento". Rio diz que a fiscalização do governo se mantém, e que quis apenas "alterar o modelo dos debates de modo a credibilizar o parlamento e melhorar a fiscalização do governo".

Rio disse que já tinha esta posição desde “2009, 2010 ou 2011”, quando começou a ver os primeiros no tempo do Governo liderado por José Sócrates.

“O engenheiro Sócrates vem agora defender os debates quinzenais e bem, porque percebe-se que foi ali devidamente fiscalizado e antes dele e era tudo uma pouca vergonha e uma rebaldaria. Com os debates quinzenais houve ali uma fiscalização a sério, a ele e ao seu Governo”, ironizou.

O líder do PSD reiterou a sua tese de que o modelo aprovado, que passa por debates mensais com o Governo (num mês setorial e no outro sobre política geral), não significa diminuir a fiscalização do parlamento.

“Deixe-me explicar direito, se não vão achar que vem aí o fascismo e ditadura e não há fiscalização”, pediu, afirmando que “em 11 meses de plenário, o primeiro-ministro irá obrigatoriamente oito vezes e poderá ir até 13 vezes”.

Pode haver entendimento com o Chega — mas só se o partido mudar

Sobre o Chega, Rui Rio admite que o Chega está mais forte, mas afirma que não depende do PSD uma negociação com aquele partido. "Depende do Chega: se o Chega evoluir para uma posição mais moderada, penso que as coisas se podem entender", diz o líder social-democrata.

“Não depende do PSD, depende do Chega. Se o Chega evoluir de uma tal maneira que - embora seja um partido marcadamente de direita, em muitos casos de extrema-direita, muito longe de nós que estamos ao centro -, se o Chega evoluir para uma posição mais moderada, eu penso que as coisas se podem entender”, afirmou.

Em contraponto, disse, “se o Chega continuar numa linha de demagogia, de populismo, da forma como tem ido, há aqui um problema, porque aí não é possível um entendimento com o PSD”.

Questionado se não descarta, então, essa possibilidade, Rio respondeu: “Face ao que o Chega tem sido, descarto. Espero é que o Chega possa evoluir para um plano um pouco mais moderado, então não estou a dizer que se faça, mas é possível conversar”.

"Não estive de acordo com toda a ação do presidente da República"

"O candidato natural do PSD será provavelmente Marcelo Rebelo de Sousa", admite Rui Rio, numa antevisão às presidenciais do próximo ano. O presidente do PSD voltou a dizer que Marcelo Rebelo Sousa será “provavelmente o candidato natural” do partido se se recandidatar, e escusou-se a apontar qual a maior discordância que teve com o atual chefe de Estado, admitindo apenas que não esteve de acordo com tudo, “na ação e na omissão”.

Já sobre as autárquicas, Rio diz que já estão a ser pensadas, garantindo ter "uma equipa que sabe de autarquias". O próprio Rui Rio foi presidente da câmara do Porto. O líder do PSD admite que já pensou em escolhas, mas não revelou nomes, nem para o Porto, nem para Lisboa.

Na “Grande entrevista” conduzida pelo jornalista Vítor Gonçalves, transmitido na quarta-feira à noite na RTP3, Rui Rio foi também questionado se admitia apoiar uma candidatura autárquica a Oeiras do ex-militante do partido Isaltino Morais e, sem responder diretamente, deixou a sua posição sobre o facto de o atual autarca já ter estado preso.

“Em Portugal, penso que não há prisão perpétua, foi condenado, cumpriu a pena, saiu, tem direito à vida. Não estou a dizer com isto que vem para o PSD”, frisou, dizendo que atualmente Isaltino Morais “é independente”, mas que até leu num jornal que Isaltino Morais lhe fez um elogio e que, se assim foi, “esteve bem”.