Nos restaurantes e cafés de Pequim ou Xangai, tornaram-se comuns trocas de conselhos entre grupos de amigos e familiares sobre os melhores países para emigrar ou como obter passaporte e visto, numa altura em que as autoridades chinesas estão a dificultar a saída do país.
O fenómeno não é novo: em Portugal, por exemplo, os chineses são tradicionalmente os principais investidores no programa vistos ‘gold’.
A novidade é a vontade expressa pelos chineses em estabelecerem-se de forma definitiva além-fronteiras. O termo ‘Runxue’, que une a palavra inglesa ‘Run’ (“fugir”, em português), e a palavra chinesa ‘Xue’ (“estudar ou analisar”, em português), tornou-se viral nas redes sociais do país.
Apesar de as famílias abastadas chinesas terem sempre almejado obter residência no exterior, a maioria optou, até à data, por permanecer na China, face às oportunidades económicas que o país tradicionalmente oferece. “Mais de 90% dos clientes [dos ‘vistos gold’] não vivem em Portugal”, explicou à Lusa fonte do setor.
André Zhou, natural de Braga e dono de dois restaurantes portugueses em Xangai, contou à Lusa que “cada vez mais amigos chineses” lhe perguntam “sobre o preço das casas, a qualidade do ensino e como se vive em Portugal”.
“São pessoas que nasceram e cresceram [em Xangai] e que não reconhecem mais a cidade”, disse.
Entre abril e junho, a população da mais cosmopolita cidade da China foi abalada por um bloqueio de dois meses, marcado por cenas de violência, falta de acesso a alimentos ou cuidados de saúde, e a aplicação implacável e caótica de medidas de prevenção epidémica, no âmbito da estratégia chinesa de ‘zero casos’ de covid-19.
Icey Chang, uma consultora de imigração para o Canadá a residir em Pequim, explicou à Lusa que o número de pedidos “mais do que triplicou”, nos últimos meses, à medida que a “insegurança relativamente ao futuro” aumentou entre a população do país.
Outro fator com fortes implicações para a classe média chinesa é a crise no imobiliário. Face a um mercado de capitais exíguo, o setor concentra uma enorme parcela da riqueza das famílias chinesas — cerca de 70%, segundo algumas estimativas.
Uma campanha lançada por Pequim para aumentar o rácio de liquidez no setor suscitou uma vaga de incumprimentos entre algumas das principais construtoras do país. O caso mais emblemático envolve o grupo Evergrande, cujo passivo supera o Produto Interno Bruto (PIB) de Portugal.
A crise ameaça contagiar o sistema financeiro, à medida que proprietários de habitações na China, cuja obra ficou inacabada devido à situação precária das construtoras, recusam pagar as prestações dos imóveis.
O setor imobiliário e a construção pesam mais de um quarto no PIB (Produto Interno Bruto) da China e foram um importante motor do crescimento económico do país nas duas últimas décadas.
Este período parece ter chegado ao fim. “Houve muito crescimento fictício na China”, descreveu à agência Lusa Michael Pettis, professor de teoria financeira na Faculdade de Gestão Guanghua, da Universidade de Pequim. “O excesso de investimento em todo o tipo de projetos de construção inflacionou o crescimento durante muitos anos”, disse.
Pettis apontou para o exemplo de Espanha antes da crise financeira internacional de 2008.
“O período de rápido crescimento da economia espanhola foi impulsionado pelos fundamentos errados: a construção de imóveis, nos quais ainda hoje ninguém mora, e uma enorme quantidade de infraestruturas, que foi além daquilo que o país necessitava”, comparou.
“Enquanto isto dura é ótimo, mas quando o aumento da dívida é incapaz de gerar retorno, o modelo torna-se insustentável, suscitando uma desaceleração económica e potencial aumento do desemprego”, descreveu Pettis, prevendo um cenário semelhante na China.
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