Ninguém poderia imaginar que o terceiro round do Sinquefield Cup, em Saint Louis, no início de setembro, iria virar a modalidade do avesso, sobretudo quando a partida em causa colocava frente a frente o campeão do mundo, o norueguês Magnus Carlsen, e um americano de 19 anos, Hans Niemann que ocupava o lugar mais baixo do ranking entre os jogadores do torneio.

Só que o vencedor foi mesmo o americano e a partir daí teve início uma verdadeira novela. Que começou com Magnus Carlsen a anunciar o abandono do torneio, apesar de ainda falarem mais seis rondas, algo sem precedentes neste nível de competição. O sururu instalou-se e o campeão mundial fez uma primeira declaração usando como mote um vídeo do nosso bem conhecido José Mourinho em que dizia “Se falar, meto-me em problemas” [“If I speak I am in big trouble."]

A publicação foi feita a 5 de setembro, nada mais foi dito, mas no ar ficava a suspeita de que Carlsen se referia a batota. Poucos dias depois, o site Chess.com anunciou que tinha removido Niemann da sua plataforma e as razões invocadas prendiam-se com a "seriedade" com que jogava.

A polémica subiu de tom e o jogador americano veio a público clarificar. Disse que sim, que tinha feito batota em duas ocasiões, quando tinha 12 e 16 anos, usando ajuda de um computador. Mas que nunca tinha feito qualquer batota em jogos ao vivo e que até jogava nu se fosse preciso para o provar. “Se querem que jogue totalmente nu, eu faço-o”, afirmou.

Nu? Nu, porquê? Afinal, é xadrez.

E as respostas tornam o enredo ainda mais digno de filme. A teoria mais simples sobre a hipotética batota é a de que o americano teria acedido ao plano de jogo do adversário, antecipando assim as suas jogadas, nomeadamente de abertura. Não se sabe como, mas ter conhecimento da primeira jogada de Carlsen - que joga com as peças brancas e arranca em primeiro. seria, a acontecer, uma forma de condicionar o resultado

A segunda teoria ainda deu mais do que falar porque basicamente decorre da hipótese de Hans Niemann ter ligado sensores ao ânus que através de vibrações emitidas em código morse lhe dariam indicações sobre as melhores jogadas a fazer mediante a ajuda de programas de computador .

A esta altura, talvez ajude algum contexto: as apps de xadrez tornaram o jogo mais fácil, para quem quer aprender, e também a batota mais acessível, nomeadamente para quem joga a dinheiro (neste torneio de Saint Louis estavam em jogo 350 mil dólares de prémio). Tanto assim, que a utilização de auscultadores está banida dos torneios – para não haver ajudas fora do tabuleiro.

Só que os próprios auscultadores podem ser dissimulados, colocados em zonas do corpo que não estão à vista, permitindo vantagem a quem tem informação adicional. Não seria a primeira vez.

Na comunidade de jogadores, treinadores e analistas, as opiniões dividem-se. Há quem não veja sinais de batota na conduta de Niemann, nomeadamente alguns analistas que examinaram o jogo e emitiram o seu parecer. Mas também há um nome influente na comunidade de xadrez,  o streamer (responsável por transmissões de xadrez) Hikaru Nakamura, com milhares de seguidores da Twitch, plataforma privilegiada para a transmissão de gaming, que desde a primeira hora coloca em causa a vitória e os métodos de Hans Niemman.

Isto tudo seria o suficiente para aquecer uma modalidade cerebral vista por muitos como aborrecida, mas a história ainda não acabou. Não só porque o campeão norueguês tinha já anunciado que não tencionava defender mais um ano de título – isto ainda deste episódio, numa declaração que muitos estranharam dado ainda ser um jovem de 31 anos – mas também por ter abandonado um torneio online na semana passada em que o adversário que lhe calhou pela frente foi de novo Niemman.

Para quem ainda não viu a série Queen’s Gambit na Netflix porque acha o xadrex enfadonho, talvez seja uma boa oportunidade de reconsiderar.

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