O ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, disse hoje no parlamento que morte por homicídio em março do cidadão ucraniano Ihor Homeniuk nas instalações do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) no aeroporto de Lisboa às mãos de três inspetores é um caso único no serviço.

De acordo com Cabrita, dados revelados pela Polícia Judiciária — que procedeu à investigação do assassinato de Ihor —"não há qualquer registo de circunstância similar” num quadro de morte violenta potencialmente cometida por inspetores do SEF. O ministro, anunciou, porém, que há duas mortes registadas no aeroporto de Lisboa em 2014 e 2019, mas ambos os casos afetaram correios de droga que morreram enquanto transportavam narcóticos no seu organismo.

A revelação de Eduardo Cabrita deu-se na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias a propósito da morte de Homeniuk no espaço equiparado a Centro de Instalação temporária do Aeroporto de Lisboa, após os pedidos da deputada não inscrita Joacine Katar Moreira e do PSD.

O governante anunciou também a abertura de um processo disciplinar ao coordenador do gabinete de inspeção do SEF que, a 17 de março, escreveu à diretora do SEF a constatar não haver "qualquer indício objetivo de agressões” no caso do cidadão ucraniano.

Após as considerações iniciais de Joacine Katar Moreira, com quem o ministro admitiu estar “genericamente totalmente de acordo”, Cabrita relembrou as declarações que tinha proferido em abril na mesma comissão, nomeadamente o “compromisso com o total apuramento da verdade”.

Segundo o ministro, neste caso de homicídio de um cidadão que estava à guarda do SEF, “não bastava apurar a autoria moral do crime, era necessário ir mais além e apurar se houve encobrimento, negligência grosseira ou omissão de auxilio”.

Eduardo Cabrita, mais uma vez, enumerou aos deputados todas as diligências realizadas para apurar o sucedido, com destaque para a abertura do já referido processo disciplinar ao coordenador do gabinete de inspeção do SEF, averiguações e procedimentos disciplinares a 12 inspetores e a uma funcionária administrativa na Inspeção Geral da Administração Interna (IGAI) a par da acusação de três inspetores de homicídio qualificado.

Durante a explicações perante os deputados, o ministro lembrou que na certidão de óbito do cidadão constava “morte por paragem cardiorrespiratória” e que as agressões de que foi vítima só foram conhecidas pelo relatório da autópsia de 23 de abril e que este apenas foi revelado ao DIAP Regional de Lisboa a 29, justificando assim o atraso no procedimento à investigação criminal do caso, já depois de ter sido noticiado.

“Qualquer atuação na véspera deste dia da detenção teria um gravíssimo impacto de prejuízo do que era uma investigação em curso”, justificou.

Na sua primeira intervenção, Eduardo Cabrita revelou também que, este ano, foram enviadas para a IGAI 51 queixas sobre a atuação do SEF, 510 contra a PSP e 318 contra a GNR.

“O que se passou é algo que, para um país que é uma referência global pela forma como recebe migrantes e acolhe refugiados e que nos orgulha, sente-se envergonhado por esta circunstância”, afirmou também Eduardo Cabrita. Há, acrescentou o ministro, “uma firmíssima repulsa por um Estado que não se reconhece nisto”.

Joacine Katar Moreira, a primeira a propor a audição de Cabrita, afirmou que “ninguém está ilibado” do “ambiente de impunidade e omissão que caracterizaram durante meses e meses o assassinato do cidadão Ihor Homeniuk”.

A ex-deputada do Livre fez a defesa da extinção do SEF, mas não “à pressa”, devendo ser acauteladas “melhores políticas de imigração” e a “defesa dos direitos humanos”.

E criticou o ministro da Administração Interna por “proteger” o SEF e a sua diretora, que se demitiu quase nove meses depois da morte do cidadão ucraniano.

Por último, Joacine Katar Moreira questionou se PSP e GNR serão as “entidades que vão salvaguardar os Direitos Humanos” e se elas “têm as habilitações, formação e comportamento efetivo necessário” para cumprir a missão de forma “diferente” da que tem sido feita pelo SEF.

PS admite que indemnização é “reconhecimento de um falhanço sistémico”

Durante a sessão, o PS admitiu que a decisão do Governo português de indemnização extrajudicial da família de Ihor Homeniuk, nas instalações do SEF, representa o “reconhecimento do falhanço sistémico”.

Essa decisão é o “assumir a responsabilidade objetiva de uma morte inaceitável”, disse o deputado José Magalhães. O parlamentar socialista e ex-secretário de Estado da Justiça afirmou ainda que os socialistas vão apresentar propostas para a reestruturação dos serviços.

E recusou estar a tratar-se este assunto “a quente”, dado que as propostas de alteração estão previstas no programa do Governo.

Terminou a sua intervenção dizendo que existe um mito, que o SEF “é perfeito” e que o necessário é perceber que “existe um SEF com imperfeições que é preciso corrigir”.

PSD compara Eduardo Cabrita a um “zombie político”

“Preso por arames, o senhor ministro vai arrastar-se neste cargo, mas vai fazê-lo como um zombie político. E isso é tudo o que Portugal não precisa”, afirmou Carlos Peixoto, deputado do PSD, na abertura da audição.
Carlos Peixoto responsabilizou politicamente tanto Eduardo Cabrita como o primeiro-ministro, António Costa, que manifestou a sua confiança no governante.

E utilizou as afirmações do diretor nacional da PSP, Magina da Silva, domingo, em que preanunciou uma eventual fusão do SEF e da PSP, para dar lugar uma nova estrutura, para tentar provar a fragilidade do ministro.

Concluindo, criou-se “outro problema”, com o “um diretor da PSP a dizer o que ia ser feito” e a “mostrar que no Governo já ninguém manda”.

Carlos Peixoto ironizou que hoje o ministro parecia mais calmo para tentar “normalizar” os acontecimentos do que na conferência de imprensa em que fez uma “anedótica vitimização”, disparou para todo o lado, atingindo-se até a si próprio.

Para o deputado social-democrata, o ministro fez “tudo em cima do joelho” e teve sempre o apoio do primeiro-ministro, que corresponsabilizou politicamente pelo caso.

E até o envio de condolências, nove meses depois da morte do cidadão ucraniano, “parecem lágrimas de crocodilo”, dado que disse que se tratou da terceira vez que o Portugal fez.

Deputados questionaram Eduardo Cabrita sobre continuidade do diretor da PSP

Um dos temas fortes desta comissão foi quanto às condições do diretor nacional da Polícia para continuar no cargo, após ter feito considerações sobre a possível fusão da PSP e do SEF, numa audiência em Belém.

O deputado do PCP António Filipe classificou as declarações do diretor nacional da PSP, Magina da Silva, à saída de um encontro com o Presidente da República, como um “aspeto insólito”, questionando Eduardo Cabrita se teve conhecimento da audiência e se achava que “nestas circunstâncias o diretor da polícia tem condições para se manter no cargo”.

Também o deputado do Chega, André Ventura, considerou que Magina da Silva não tem condições para se manter no cargo e quis saber a posição do ministro, lembrando que o mesmo, à saída de Belém disse que “a reestruturação o SEF tem sido trabalhada com a Administração Interna” e que “se estava a trabalhar na fusão entre a PSP e o SEF”.

O deputado João Almeida do CDS considerou que o ministro Eduardo Cabrita “não tem condições para se manter em funções” depois do homicídio nas instalações do SEF e apelidou de “processo lamentável” a forma como a tutela foi gerindo o caso, “a ver se ninguém repara, com o mínimo de atenção mediática”.

O deputado foi um dos que questionou o ministro sobre a alegada discrepância de datas em relação ao inquérito aberto pela Inspeção Geral da Administração Interna (IGAI), tendo Eduardo Cabrita dito que tinha sido instaurado no dia seguinte ao acontecimento, e o relatório refere que foi a 30 de março.

As declarações do diretor da PSP sobre a fusão do SEF com a PSP foram também abordadas pelo deputado centrista, classificando-as de “enorme confusão”.

“O senhor ministro não liderou, não protegeu o SEF, falhou na defesa da dignidade do Estado e no exercício da tutela, sendo ultrapassado pelo diretor da PSP”, afirmou João Almeida, considerando que Eduardo Cabrita “não pode manter-se em funções”.

Beatriz Gomes Dias, deputada do Bloco de Esquerda, apelidou de “iniciativas de cosmética” a restruturação realizada no centro de instalação temporária do Aeroporto de Lisboa” considerando que os problemas do SEF “são sistémicos” e que foram esses que criaram condições para que tivesse havido um homicídio.

Entende a deputada que “há um clima de discricionariedade e que não há uma visão clara sobre como deve ser o acolhimento de migrantes”, sustentando também que foram detetadas “lacunas na fiscalização do SEF que nunca foram preenchidas” e que o ministro não é a pessoa certa para fazer a reestruturação do serviço.

Inês Real, do PAN, recordou que Ihor Homeniuk “foi espancado até à morte, numa situação evidente de tortura, ato grotesco” e sustentou que o Serviço de Estrangeiros tem “um problema sistémico que não pode ser ignorado”.

João Figueiredo, da Iniciativa Liberal, foi muito direto perguntando a Eduardo Cabrita: “para quando a sua demissão?”

A deputada não inscrita Cristina Rodrigues lamentou “a falta de apoio à família durante nove meses” e disse que “o botão de pânico significa que a tutela não tem confiança nos inspetores do SEF e que as instalações não são seguras”.

Ihor Homeniuk terá sido vítima das violentas agressões de três inspetores do SEF, acusados de homicídio qualificado, com a alegada cumplicidade ou encobrimento de outros 12 inspetores. O julgamento deste caso terá início em 20 de janeiro.

Noves meses depois do alegado homicídio, a diretora do SEF, Cristina Gatões, demitiu-se na semana passada, após alguns partidos da oposição terem exigido consequências políticas deste caso, tendo Eduardo Cabrita considerado que esta “fez bem em entender dever cessar funções” e que não teria condições para liderar o processo de restruturação do organismo.