Durante o último quartel do século XVIII, na cidade escocesa de Edimburgo, o economista Adam Smith, o geólogo James Hutton, o químico Joseph Black e o filósofo David Hume criaram o “Clube das Ostras”. Batizado em honra do molusco, era nem mais nem menos que um encontro semanal à mesa, saltando de “taberna em taberna”, degustando o precioso petisco de que eram apreciadores enquanto discutiam temas relacionados com a arte, arquitetura, filosofia, politica, ciência e economia.
Uma discussão “informal e divertida, apesar do grande conhecimento” que dali retiravam, nas palavras de James Hutton, e que reunia a “inteligência” da época, aberta a pensadores como James Watt (matemático e engenheiro) ou Benjamin Franklin (político americano e inventor no campo da eletricidade).
Num salto para pleno século XXI, o projeto Energy Observer pode dizer-se que bebeu, provavelmente sem saber, inspiração nesse clube que elegeu as ostras como símbolo do conhecimento e progresso. Pelo menos foi esse o pensamento de José Sá Fernandes, vereador do Ambiente, Estrutura Verde, Clima e Energia da Câmara Municipal de Lisboa durante a apresentação do catamarã̃ de 30 metros de comprimento e 12,80 de largura, embarcação com estilo futurista que está à vista de todos até 30 de setembro na Doca da Marinha, em frente ao Campo das Cebolas, na capital, em complemento a uma exposição (Odisseia para o futuro) sobre energias renováveis e a sustentabilidade do planeta.
Cinco milhões de euros depois - que foi quanto custou a restauração e renovação a partir de um anterior barco de competição à vela dos anos 70 e que venceu em 1994 o prestigioso troféu Jules Verne (catamarã Enza New Zealand de Peter Blake e Robin Knox-Johnston) - apresenta-se transformado numa verdadeira revolução energética.
Com 141 m2 de painéis fotovoltaicos, implementados em três tecnologias diferentes, revestimento customizado, bifacial (absorvendo a luz solar de forma direta e indireta, em reflexo) e antiderrapante, com aerogeradores colocados na popa que captam o vento e extraindo hidrogénio a partir da água do mar (eletrólise), o Energy Observer - move-se através de um motor elétrico variando em velocidade de cruzeiro entre os 8-10 nós e sem deixar pegada de carbono. Zero emissões e zero litros consumidos de combustíveis fósseis.
Navegando, silenciosamente, ao sabor do vento, do sol e empurrado pelo hidrogénio, três fontes de energias renováveis que alimentam até a máquina de café, partiu de Saint Malo, França, em 2017 e durante seis anos percorrerá 50 países, fará 101 escalas, tornando-se o primeiro barco movido a hidrogénio a dar a volta ao mundo, viajando pela Europa, continente americano, Oceânia, Ásia e Médio Oriente.
De “aventura tecnológica” a viagem com “sentido político”
“Não queríamos uma corrida, mas sim andar de porto em porto a aprender com todos e dar sentido à nossa viagem. Reunimos com diferentes pessoas de diferentes correntes de pensamento, da economia, à agricultura, energia, biodiversidade ou paz”, sublinhou ao SAPO24 Jérôme Delafosse, líder da expedição Energy Observer, ele que andou mais de 20 anos em expedições oceânicas, conviveu horas a fio com tubarões e filmou para o Canal Plus (França). Ele que se vê agora na pele não de mero espetador, mas de personagem principal dos acontecimentos.
“Viajamos pelo mundo para sermos confrontados com diferentes condições climatéricas, sol, vento e a ideia é testar a tecnologia em condições extremas, aprender e dar feedback à indústria”, observou este cidadão francês que se faz acompanhar nesta volta ao mundo de Victorien Erussard, skipper deste epopeia e velejador que conta no seu curriculum 10 anos de regatas oceânicas, uma Rota do Rum (França-Caraíbas) e 4 Transat Jacques Vabre (conhecida como a Rota do Café, que liga o território francês a Salvador da Baía, Brasil).
O que começou por ser uma “aventura tecnológica” tem agora um “sentido político”, defendeu Delafosse. “Temos o poder. Em cada porto os políticos vêm ter connosco para conhecer o projeto”, rematou. Dá um exemplo: “em Israel conhecemos o pai da energia solar com quem falámos sobre o Médio Oriente, o conflito que assola esta região e que pode ser solucionado através de fontes de energia, que pode ser a solar, diminuindo, por exemplo, a dependência energética dos países, da Palestina em relação a Israel”, exemplificou.
O alcance do barco e deste projeto pioneiro não se fica pela sustentabilidade da navegação marítima. “Funciona como um laboratório flutuante”, que tem alcance noutras áreas, sustentou Jérôme Delafosse. “Pode ser alargado para terra, para as cidades, para a habitação, para camiões ou aviões. Tudo. É uma mobilidade verde” que é possível com esta tecnologia.
“Conseguimos conhecer os inventores de todo o mundo e procurar a solução. Falamos de plástico e da desertificação, mas quando vemos gente anónima a lutar dá-nos esperança” num mundo melhor, remata. Agora, a viagem continua, a bordo do Energy Observer e com o objetivo de sensibilizar para a necessidade de um planeta que use menos combustíveis fósseis e mais combustíveis alternativos.
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