A posição consta do recurso, a que a agência Lusa teve hoje acesso, interposto pelo MP para o Tribunal da Relação do Porto, na sequência da absolvição do autarca, em 21 de janeiro deste ano, pelo Tribunal de São João Novo, no Porto.
“Deve o arguido ser condenado pela prática de crime de prevaricação em pena de prisão suspensa na sua execução, incorrendo ainda na pena acessória de perda de mandato”, defendem os procuradores Luís Carvalho e Ana Margarida Santos, que assinam o recurso do MP.
Para os magistrados, “do conjunto da prova produzida, analisada, criticada e avaliada, dúvidas não restam [de] que o arguido conhecia todos os factos, e que, querendo praticá-los, o fez com intenção de beneficiar a Selminho”.
Contactado pela Lusa, o advogado de Rui Moreira disse ter sido notificado, na quinta-feira, do recurso do MP, acrescentando que vai apresentar, no prazo legal, as contra-alegações, escusando-se a fazer mais comentários.
Após a leitura do acórdão que absolveu o seu constituinte, Tiago Rodrigues Bastos acusou o procurador Luís Carvalho de fazer ‘show off’ para os jornalistas, ao anunciar, logo nesse dia, que iria interpor recurso da absolvição
Rui Moreira foi julgado pelo crime de prevaricação, acusado de favorecer a imobiliária da família (Selminho), da qual era sócio, em prejuízo do município do Porto, no litígio judicial que opunha a autarquia à imobiliária, que pretendia construir um edifício de apartamentos num terreno na Calçada da Arrábida.
O coletivo de juízes, presidido por Ângela Reguengo, justificou a absolvição com a “manifesta falta de prova” na acusação do MP e no despacho de pronúncia do Tribunal de Instrução Criminal do Porto (que confirmou a acusação do MP) de que “tenha existido qualquer favorecimento da Selminho em detrimento da câmara”.
Para o tribunal de primeira instância, não ficou provada a “intervenção direta [de Rui Moreira], ou por interposta pessoa”, que visasse a “condução ou instrução” do processo, por parte do presidente da câmara junto dos funcionários municipais, que, acredita o tribunal, agiram sempre na “salvaguarda dos interesses do município”.
No recurso, o MP diz que a primeira instância fez uma apreciação errada da prova e dos factos provados e não provados, pedindo a nulidade parcial do acórdão “por não se ter pronunciado sobre a totalidade dos factos submetidos a julgamento”.
“Considera-se, contudo, que a prova submetida a julgamento é capaz de, por si só, conduzir à alteração da decisão da matéria de facto fixada no acórdão, no sentido de dar por provados os factos arredados da decisão”, lê-se no recurso, de 178 páginas.
Para o Tribunal de São João Novo, “a única intervenção” de Rui Moreira no processo foi ter passado, em 28 de novembro de 2013, poucas semanas após tomar posse, uma procuração com poderes especiais ao advogado Pedro Neves de Sousa, depois de aconselhado pelo então seu chefe de gabinete, Azeredo Lopes.
A procuração forense serviu para o advogado representar a autarquia na audiência prévia de 10 de janeiro de 2014, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Porto, onde começou a ser negociado o acordo com a imobiliária, que tinha avançado com uma ação judicial neste tribunal contra o município.
O acordo final com a Selminho previa o reconhecimento da edificabilidade do terreno em causa, através da revisão do Plano Diretor Municipal (PDM) em curso, e até 2016, ou se isso não fosse possível, indemnizar a Selminho num valor a ser definido em tribunal arbitral, caso houvesse lugar ao pagamento de alguma indemnização.
Para o MP, “os termos de tal transação e compromisso arbitral foram negociados e fixados” entre a Selminho e a Câmara do Porto, “esta sob ordens e orientação do arguido Rui Moreira, que determinou” que os funcionários municipais “apresentassem o texto e os termos do acordo já fechado à vice-presidente, Guilhermina Rego, dias antes da diligência judicial na qual esta se limitou a assinar o mesmo sem que naquele tivesse tido qualquer outra intervenção”.
Os procuradores sustentam que o município alterou a sua posição face às pretensões da Selminho, depois de Rui Moreira assumir o cargo de presidente da Câmara do Porto, acrescentando que o advogado Pedro Neves de Sousa agiu segundo “instruções” do arguido, no sentido de chegar a um acordo vantajoso para a Selminho.
“Quem autorizou o advogado a fazer a previsão de que o município poderia chegar a um acordo, sem que estivesse em curso (…) um processo de alteração/revisão do PDM, no qual a Selminho havia posto o município na posição de apreciar a sua concreta pretensão urbanística? Quem autorizou o advogado a adiantar que o acordo a realizar passaria pelo compromisso da satisfação da pretensão urbanística da Selminho, antes de se iniciar o processo de revisão e de neste serem realizados os estudos adicionais cuja indispensabilidade, no processo de alteração, impediram a satisfação da pretensão da Selminho?”, questionam os procuradores.
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