Escreve o Folha de São Paulo que o ministro da Justiça Sérgio Moro, que ficou conhecido pelo seu papel no processo Lava Jato, apresentou a sua demissão esta sexta-feira, 24 de abril.

A informação foi depois reiterada pelo próprio, em conferência de imprensa, onde acusou Jair Bolsonaro de estar a fazer uma "interferência política na policia federal", na sequência da demissão do ex-chefe da Polícia Federal do país, Maurício Leite Valeixo, publicada hoje de manhã no Diário Oficial da União.

O ministro da Justiça do Brasil Sergio Moro, que está demissionário, disse hoje que o Presidente, Jair Bolsonaro, exonerou a liderança da Polícia Federal porque pretende acesso às investigações judiciais, algumas das quais que envolvem os filhos ou aliados.

"O Presidente me disse, mais de uma vez, expressamente, que ele queria ter uma pessoa do contacto pessoal dele [para quem] ele pudesse ligar, [de quem] ele pudesse colher informações, [com quem] ele pudesse colher relatórios de inteligência. Seja o diretor [da polícia federal] seja um superintendente", acusou Moro, numa conferência de imprensa.

Falando aos jornalistas na sequência da demissão do chefe geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, que estava subordinado a Moro, o ministro demissionário frisou que deixa o cargo porque Bolsonaro quebrou a promessa que lhe fez de que não iria interferir na autonomia da Polícia Federal e do Ministério da Justiça.

Em primeiro lugar, “houve uma violação da promessa que me foi feita de carta branca [não interferência], em segundo lugar não havia uma causa [para a demissão de Valeixo]. Ficou claro que estaria havendo uma interferência política na Polícia Federal, o que gera um abalo e uma queda de credibilidade não [em relação] a mim, mas ao Governo", explicou Moro.

O ministro demissionário declarou que o Presidente brasileiro lhe disse pessoalmente que queria trocar o chefe geral da Polícia Federal porque estava preocupado com investigações em curso no Supremo Tribunal Federal (STF), que podem evolver os seus filhos ou aliados políticos, e afirmou que o chefe de Estado queria ter acesso a relatórios sigilosos sobre investigações.

"Realmente não é o papel da Polícia Federal prestar este tipo de informação. A investigação tem de ser preservada. Imagine se durante a própria Lava Jato a ex-presidente Dilma [Rousseff] ou o ex-presidente Luiz [Inácio Lula da Saliva] ficassem ligando para o superintendente [da Polícia Federal] em Curitiba para colher informações sobre as investigações em andamento", disse o ministro, que foi o coordenador da Operação Judicial Lava Jato que visou vários políticos, entre os quais aqueles dois responsáveis políticos.

Moro argumentou que chegou a explicar a Bolsonaro que a demissão do diretor-geral da polícia federal poderia gerar uma desorganização dentro da corporação, mas o chefe de Estado brasileiro decidiu exonerar Valeixo sem consultá-lo na manhã de hoje o que tornou sua permanência no Governo impossível.

"O problema nas conversas [que tive] com o Presidente é que [ele não quer] só a troca do diretor-geral, havia também a intenção de trocar superintendentes, novamente o superintendente do Rio de Janeiro, e outros superintendentes, sem que me fosse apresentada uma razão, uma causa para realizar este tipo de substituição", relatou o ministro demisionário.

"Ontem conversei com o Presidente, falei para ele que seria uma interferência política [a troca do chefe da polícia federal]. Ele disse que seria mesmo, falei que isto teria impacto negativo para todos", acrescentou.

Moro, que ficou conhecido como juiz da Operação Lava Jato responsável por condenar dezenas de empresários e políticos, disse que sentiu o dever de proteger a Policia Federal e alegou ter tentado evitar uma crise interna no Governo durante a pandemia do novo coronavírus, mas entendia que não poderia deixar de lado seu compromisso com o estado de Direito.

"De todo modo, no meu entendimento, não tinha como aceitar esta substituição. Há uma questão envolvida da minha biografia como juiz de respeito a lei, ao Estado de direito e a impessoalidade no trato com o Governo. Eu vivenciei isto na Lava Jato. Seria um tiro na Lava Jato", declarou.

O governante demissionário elogiou Dilma Rousseff por ter dado autonomia à Polícia Federal, uma medida que permitiu a concretização da própria Lava Jato, reafirmando a necessidade de um sistema de investigação criminal independente do poder político.

Moro mostrou-se grato pela nomeação para ministro e que agora pretendia descansar antes de determinar o que irá fazer no futuro.

"Infelizmente não tenho como persistir no compromisso que assumi sem que tenha condições de trabalho, sem que eu tenha condições de preservar a autonomia da Polícia Federal para realizar seus trabalhos ou sendo forçado a sinalizar uma concordância com uma interferência política na Polícia Federal cujos resultados são imprevisíveis", concluiu.

O caso por detrás da demissão

Segundo a Folha de São Paulo, o agora ex-ministro pediu para sair do cargo na quinta-feira de manhã depois de saber do afastamento de Valeixo, escolhido por si para dirigir a Polícia Federal.

Bolsonaro ainda tentou fazer o ministro mudar de ideias, mas sem sucesso.

Nos bastidores, conta a Folha, está o seguinte: a demissão do diretor-geral da Polícia Federal foi publicada hoje no Diário Oficial da União com as assinaturas eletrónicas de Bolsonaro e Moro, mas o juiz não só não terá assinado formalmente, como não foi informado sobre a publicação da decisão.

O nome de Moro terá sido introduzido no ato oficial por questões formais, já que o diretor da Polícia Federal está debaixo da alçada do ministro da Justiça.

Bolsonaro terá assim atropelado o Moro quando ainda havia negociações em curso sobre a manutenção do ministro no Executivo, o que fez com que a decisão de se afastar fosse irremediável.

O Presidente Brasileiro pretende substituir Valeixo por uma pessoa de sua confiança, o que terá gerado profundo desconforto no ministro da Justiça.

Com mais de 20 anos de experiência na corporação, Valeixo atuou nas investigações da Lava Jato, a maior operação anticorrupção da história do Brasil e que foi liderada por Moro.

Moro ficou conhecido internacionalmente por liderar a Operação Lava Jato e por condenar o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva por corrupção. O juiz deixou a magistratura para se juntar ao Governo de Bolsonaro, mas vem tem vindo a sofrer desgastes consecutivos por divergências com o Presidente brasileiro.

A exoneração de Valeixo, de quem Moro é amigo pessoal, já havia sido mencionada por Bolsonaro em agosto do ano passado, mas acabou por ser adiada por interferência de alguns ministros, incluindo o titular da pasta da Justiça, que à época considerou que a demissão de seu braço direito poderia dar impressão de que o Governo não estava a combater a corrupção no país.

O super-juiz da operação Lava Jato

Sergio Moro ficou conhecido por ter sido o juiz da Operação Lava Jato na primeira instância e o responsável por condenar dezenas de empresários, ex-funcionários da estatal petrolífera Petrobras e políticos, como o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Aos 46 anos, em 2018, o juiz assumiu uma pasta criada a partir da junção dos ministérios da Segurança Pública e da Justiça, assumindo o novo superministério no dia 01 de janeiro do ano seguinte.

Nascido no estado brasileiro do Paraná, Moro licenciou-se em Direito em 1995, pela Universidade Estadual de Maringá, tornando-se juiz apenas um ano depois, em 1996.

No seu currículo profissional destacam-se as investigações e julgamentos de casos ligados ao branqueamento de capitais e crimes financeiros, práticas muito relacionadas com escândalos de corrupção que tem surgido no Brasil.

Em mais de 22 anos de magistratura, Moro fez parte da equipa de juízes que atuou no Caso Banestado, um escândalo de envio ilegal de dinheiro de dezenas milhões de reais do Banco do Estado do Paraná, que foi investigado entre 2003 e 2007.

Destacou-se também na operação Farol da Colina, que também tratava do envio ilegal de milhões de dólares para paraísos fiscais e empresas ‘offshore’ fora do Brasil.

Em 2012, Moro foi convidado pela juíza do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber para auxiliá-la no julgamento do Mensalão, um escândalo que abalou o primeiro Governo do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e terminou com a condenação de membros da cúpula do Partido dos Trabalhadores (PT).

No entanto, Moro tornou-se famoso no Brasil e internacionalmente, a partir de 2014, quando passou a comandar uma força que desvendou esquemas de corrupção milionários na empresa estatal petrolífera Petrobras e noutros órgão públicos do Governo brasileiro, tornando-se uma espécie de herói nacional e expoente máximo da Operação Lava Jato.

A Lava Jato tornou-se um símbolo de combate à corrupção por ter levado para a prisão empresários poderosos, como o herdeiro da construtora Odebrecht, políticos como o antigo governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral e ex-funcionários da alta cúpula da Petrobras.

Amado por milhões que o elogiam e afirmam que o seu trabalho é um exemplo de combate à corrupção, o juiz também desperta animosidade, principalmente em casos que envolvem dirigentes do PT e o ex-Presidente Lula da Silva.

Em março de 2016, Moro determinou a detenção coerciva de Lula da Silva, obrigando-o a depor para a Polícia Federal numa sala no aeroporto de Congonhas.

No mesmo ano tornou público um excerto de uma conversa entre a ex-Presidente Dilma Rousseff e Lula da Silva sobre o documento de posse do ex-chefe de Estado para o Ministério da Casa Civil.

O caso agravou ainda mais a crise política e económica vivida pelo Governo de Dilma Rousseff, que acabou destituída pelo Congresso brasileiro em agosto de 2016.

Em 2017, Moro sentenciou Lula da Silva a mais de nove anos de prisão no âmbito de um polémico caso sobre a propriedade de um apartamento de luxo na cidade do Guarujá, no litoral do Estado de São Paulo, que teria sido dado ao ex-Presidente como suborno pela construtora OAS.

Lula da Silva negou ser culpado e denunciou uma suposta perseguição judicial contra si liderada por Moro.

O ex-chefe de Estado viu a condenação confirmada e a sentença ampliada pelo Tribunal Federal da Quarta Região (TRF4).

No dia 05 de abril, após o Supremo Tribunal Federal (STF) negar um habeas corpus preventivo, Moro decretou a prisão de Lula da Silva, sendo criticado pelos advogados de defesa do ex-presidente por não esperar o fim muito dos recursos finais do processo no TRF4.

Uma semana antes da primeira volta das presidenciais brasileiras de 2018 as decisões de Moro voltaram a chamar a atenção.

O juiz tornou pública parte de um acordo de colaboração premiada de Antônio Palocci, ministro poderoso nos Governos de Lula da Silva e Dilma Rousseff, que mencionava uma suposta participação dos dois ex-chefes de Estado 'petistas' em esquemas de corrupção.