Em comunicado divulgado uma semana depois da mais recente reunião do grupo de trabalho para o desenvolvimento do estatuto do trabalhador da Cultura, o Sindicato dos Trabalhadores de Espetáculos, do Audiovisual e dos Músicos (CENA-STE) constata, “mais uma vez, perante o esboço de intenções mal preparadas e pouco claras que o Governo tem imensas dificuldades em compreender o setor”.

“Tendo em conta que o Ministério da Cultura diz estar a trabalhar em nova legislação para o setor desde dezembro de 2019, seria de esperar muito mais deste documento. Esta ideia de ‘Estatuto’, importada à força de outras realidades e com resultados duvidosos, parece ser uma cápsula de precariedade disfarçada, não propõe medidas efetivas e não tem nenhuma intenção de melhorar a legislação de forma consequente para os trabalhadores da Cultura em Portugal”, pode ler-se no comunicado, que lamenta que tenha sido adiada para este mês a discussão sobre o regime contributivo destes trabalhadores.

No mesmo texto, o CENA-STE revela os resultados do terceiro inquérito lançado aos profissionais do setor durante o período da pandemia de covid-19, segundo os quais 12% têm um contrato sem termo e mais de dois terços (70%) trabalham numa segunda atividade.

“Confirma-se que mais de 80% da atividade prevista foi cancelada ou adiada e, ao contrário do que tem sido dito pelo governo, apenas 7% diz ter visto as suas atividades profissionais reagendadas com data concreta”, adiantou o sindicato.

O CENA-STE critica também o “regresso simplista à normalidade” feito pelo Governo, com “insuficientes medidas tomadas até à data, meramente paliativas, [que] estão a deixar cair num poço sem fundo grande parte dos trabalhadores em Portugal em que se incluem os profissionais do setor da Cultura”.

“Perante as várias medidas lançadas pelo Ministério da Cultura, que ocuparam tanto espaço mediático, seria de esperar que o setor respirasse um pouco melhor no final do verão, mas definitivamente não é o que está a acontecer. Na maioria dos casos as medidas não tiveram qualquer expressão ou, quando chegaram, chegaram tardiamente e de forma insuficiente. Os valores anunciados com pompa e circunstância na prática não chegam à maioria dos trabalhadores da área e os relatos dramáticos de vidas bloqueadas, muitas em estado de insolvência, sucedem-se”, lamentam.

Na segunda-feira, o primeiro-ministro afirmou que a atividade cultural em Portugal "não pode parar", devendo prosseguir adaptada aos constrangimentos provocados pela pandemia de covid-19.

Na inauguração de uma exposição de arte no Palácio de São Bento, em Lisboa, António Costa defendeu que a cultura "tem de continuar, não pode parar, apesar das circunstâncias" atuais de pandemia de covid-19.

"Não podemos fazer a inauguração com as portas abertas ao público, tivemos de fazê-la de forma mais contida, com grupos mais pequenos. Mas, como em tudo o resto na vida, não podemos parar, temos de continuar, embora adaptados a esta realidade que temos de enfrentar", reforçou.

Na véspera, seis entidades ligadas ao cinema, espetáculo e audiovisual, entre as quais o CENA-STE, acusaram a tutela de “insistir” em manter a precariedade e de “não querer acabar com o trabalho sem direitos”, pelo que reivindicam “legislação específica para os trabalhadores da cultura”.

“Existe da parte do Governo vontade para a criação de legislação específica para os trabalhadores da cultura garantindo o acesso a uma carreira contributiva com direitos e proteção social efetiva?” – é a pergunta que encabeçava o comunicado conjunto da Associação Portuguesa de Realizadores (APR), Associação de Profissionais das Artes Cénicas (PLATEIA), CENA-STE, Associação Portuguesa de Técnicos de Audiovisual – cinema e publicidade (APTA), Associação de Estruturas para a Dança Contemporânea (REDE) e Associação Portuguesa de Empresários e Artistas de Circo (APEAC).

Estas seis entidades acusam o Governo de, ao fim de quatro meses de negociações, “protelar” a resolução de “problemas laborais e de proteção social dos trabalhadores das artes e cultura”.

Na nota é descrito que o documento apresentado pela tutela inclui “algumas linhas copiadas diretamente do Código de Trabalho e da Constituição” e sugere a criação de um cartão profissional dedicado a esta área, mas faz alusão a um “regime de quotas” que “atropela” e “nivela por baixo” os trabalhadores do setor.

“O Governo propõe ainda a criação de um regime de quotas de contratação, que parece atropelar a legislação laboral e nivelar por mínimos o respeito pelos direitos do trabalho”, criticam as cinco associações e o sindicato, que hoje reiterou as críticas a estas propostas, bem como à revisão do modelo de apoio às artes.

O CENA-STE considera ainda que "para que uma revisão do Modelo de Apoio às Artes resulte é fundamental que [o] Orçamento [do] Estado cresça de forma substancial, de forma a assegurar que, finalmente, não fiquem estruturas elegíveis de fora e se cumpra o pleno emprego com direitos e proteção efetiva dos trabalhadores do setor".