No dia em que se assinalam sete anos desde o início da guerra civil síria, a psicóloga, que durante dois meses serviu a organização não-governamental MSF na Síria, partilhou parte da experiência que viveu em Alepo, onde se estima terem morrido mais de 100.000 pessoas, entre 2012 e 2016.
O projeto a seu cargo era "desenhar e implementar um programa de saúde mental", no qual era feito o levantamento das pessoas com perturbações de stress pós-traumático (PSPT), com as que desenvolviam patologias relacionadas com PSPT e se visitavam as unidades de saúde.
Maria Palha lembra a estruturação dos procedimentos na altura, contrastantes com o que acontece atualmente em Ghouta Oriental.
"Havia um levantamento das necessidades, era importante perceber quem eram os beneficiários dos serviços de saúde, o que é que eles precisavam e a nível de equipas médicas e aquilo que era importante para elas conseguirem prestar os seus serviços à população", mas em Ghouta Oriental "é assustador".
"As equipas médicas estão a colapsar, a trabalhar debaixo de bombardeamentos, sem 'stocks' médicos adequados, sem dormir, com medo", frisou.
A nível da distribuição de medicamentos e material médico, Maria Palha também assinalou uma grande diferença.
"Em 2013 havia uma entrega de doações às unidades médicas. Neste momento em Ghouta, sabemos que os 'stocks' das entidades que estão a prestar serviços estão a colapsar, ou seja, existe uma grande necessidade de sacos de sangue, antibióticos, 'kits' de primeiros socorros, essenciais para prestar um serviço de saúde digno para estes civis no cerco. Mas na altura ainda conseguíamos fazer esta entrega e apoiar algumas unidades móveis no terreno", recordou.
A portuguesa conta que visitava os abrigos onde as pessoas estavam e falava sobre "o impacto de viver sob bombardeamentos, como é que se pode lidar com a perda de três ou quatro pessoas da família, como é que se pode lidar com o medo, como é que se pode lidar com insónias (causadas) pelo medo que se tem de viver naquele bairro ou naquela cidade".
"Em 2013, vivi episódios na região de Alepo que agora se repetem em Ghouta", disse a psicóloga.
Maria Palha assinalou que, atualmente, os MSF dão apoio remoto a 20 unidades médicas, das quais 15 foram bombardeadas, e recordou um episódio que viveu em Alepo: "Em 2013, quando estava a dirigir uma unidade médica, essa unidade foi bombardeada e não consegui prestar o serviço médico que era suposto".
A psicóloga abordou ainda as diferenças no comportamento da população perante os ataques.
"Na altura eu visitava escolas, que eram os lugares onde a população estava abrigada, neste momento o que vemos é que a população já vive em abrigos subterrâneos", salientou.
Sobre os portugueses, Maria lamentou a falta de "empatia, generosidade e compaixão", que considera fundamentais para melhores relações interpessoais e que permitem mais tolerância.
"Às vezes, como estas realidades estão tão longínquas e distantes das nossas, pode haver uma dificuldade de conseguirmos olhar o mundo lá fora", disse, admitindo que "em termos de desenvolvimento de algumas competências emocionais da população portuguesa, podíamos falar mais de empatia, generosidade e de compaixão e também algumas medidas de auto cuidado que todos nós deveremos ter para conseguirmos ter melhores relações com os outros e sermos tolerantes à diferença".
Atualmente, Maria coordena o projeto 'Kids' que, segundo a própria, pretende "interromper alguns atos desumanos e de terrorismo que podem acontecer no mundo".
Através de 'crowdfunding', a psicóloga conta angariar fundos que permitam a edição de um livro e de um documentário no qual divulgará as entrevistas a crianças.
Na ótica da psicóloga, o facto de serem crianças a testemunhar as vivências em climas como Serra Leoa, Colômbia, Brasil, São Tomé e Príncipe, Mongólia, Butão, Nova Zelândia e Médio Oriente, torna o projeto "extremamente interessante".
Maria Palha não coloca de parte o regresso à Síria e elogia as crianças que aí vivem.
"Se eu tivesse oportunidade para voltar à Síria, voltaria com certeza porque sem dúvida que as crianças que vivem neste país, todos os dias têm de lidar com o medo, com a compaixão e generosidade de partilhar o último pão da padaria com o seu irmão ou com a sua família. Sem dúvida que estas crianças são especialistas em lidar com todas estas emoções que estão relacionadas com a resiliência, e por isso voltaria sem dúvida", confessou.
Há sete anos, no dia 15 de março de 2011, a reação do regime de Bashar al-Assad a uma manifestação organizada por familiares de prisioneiros políticos marcou o início de um conflito que já matou mais de 350.000 civis.
Comentários