“Há um Governo que está se esvaindo, [perdendo] seus apoios na sociedade. E, claro, os militares – não gosto de conjugar os militares no plural como todos os militares -, mas setores militares que o apoiavam, alguns com um pouco mais de intensidade, já começaram a se afastar do Governo”, afirmou Cunha, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e autor do livro ”Militares e Militância”.

Eleito com amplo apoio entre os militares, Bolsonaro, um capitão reformado do Exército que governa o Brasil associando a sua imagem à das Forças Armadas, procura um novo mandato em outubro.

Em segundo lugar nas sondagens de intenção de voto e atrás do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, especialistas avaliam que o Presidente brasileiro atua para conquistar apoio militar na sua estratégia política de colocar em causa a segurança do sistema de votação em urna eletrónica, para poder contestar os resultados em caso de derrota, mimetizando o ex-presidente norte-americano Donald Trump.

Como os militares brasileiros não formam um grupo homogéneo, Paulo Ribeiro da Cunha reconheceu que lideranças importantes como o ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, permanecem alinhadas ao Governo.

“O atual ministro da Defesa, por exemplo, se comporta como um ‘office boy’ de luxo do Governo, o que o distancia a ele da instituição (…) Isto traz uma carga de negatividade aos militares? Com certeza. Mas, por exemplo, no alto comando do Exército, segundo várias fontes, dos 16 comandantes 12 são legalistas e não têm nenhuma veleidade golpista ou intenção de alimentar uma crise institucional”, ponderou o professor da Unesp.

No ano passado, o Ministério da Defesa foi convidado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para integrar a comissão de transparência eleitoral, que organiza o sufrágio marcado para 02 e 30 de outubro, no qual os brasileiros escolherão membros dos legislativos federal e estadual, governadores regionais e o novo Presidente.

A ideia dos juízes do TSE era obter apoio da Defesa em relação à fiabilidade do resultado das urnas eletrónicas, porém, o general Nogueira se manifesta de forma pouco clara em notas e declarações públicas sobre este assunto, abrindo margem para especulações formuladas pelo Presidente brasileiro, que contesta a segurança do sistema de votação sem apresentar provas.

Segundo os ‘media’ locais, o Ministério da Defesa também se prepara para realizar uma contagem paralela dos votos no dia da eleição, ação que não está prevista nas atribuições do órgão ou das Forças Armadas.

Questionado se Bolsonaro teria apoio militar na hipótese de tentar um golpe, ao contestar um suposto resultado desfavorável na eleição, o professor da Unesp afirmou que o chefe de Estado brasileiro, sem dúvida, atua como “um golpista, um fascista, e se ele pudesse, ele faria isso”.

No entanto, Cunha avaliou que os movimentos recentes do Presidente, como um encontro com embaixadores no qual atacou juízes e o sistema de votação, teve repercussão negativa dentro e fora do Brasil e ”os militares não são insensíveis a isso”.

“Veja bem, o próprio secretário de Estado [de Defesa] norte-americano [Lloyd Austin] veio ao Brasil e deu uma declaração firme a favor da democracia, isso não é pouco para os militares brasileiros”, apontou o professor, referindo-se às declarações de Austin na 15.ª Conferência de Ministros da Defesa das Américas, organizada em Brasília, no final de julho.

A tentativa de fazer uma associação simbólica da sua pessoa com as Forças Armadas se manifestou também no lançamento da candidatura à reeleição, quando Bolsonaro cogitou transferir um desfile militar em comemoração aos 200 anos da Independência do Brasil de Portugal, em 07 de setembro, que tradicionalmente acontece numa zona central do Rio e Janeiro, para a praia de Copacabana, onde seus apoiantes realizarão um ato a favor da sua candidatura.

A ideia provocou oposição aberta de militares proeminentes como o general da reserva Paulo Chagas, apoiador convicto de Bolsonaro em 2018, que numa entrevista ao portal de notícias UOL incentivou militares no ativo a desobedecerem ao chefe de Estado, porque ”ordem errada não se cumpre”.

“Ele [Paulo Chagas], por exemplo, é da extrema-direita, um militar articulado com determinados setores que representam o pensamento político conservador, para não dizer reacionário. Ele veio a público quase que clamar para rebelião dizendo que os militares têm que desobedecer esta ordem de desfilar em Copacabana. Isso não é pouco e denota um isolamento ainda maior do Presidente”, ponderou Cunha.

Na quarta-feira, os ‘media’ locais informaram que o pedido de transferência do desfile não foi oficializado e, face às resistências, Jair Bolsonaro desistiu de organizar a parada militar em Copacabana, um dos cartões postais mais icónicos do Brasil.

A informação foi confirmada pelo prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, que escreveu nas redes sociais e declarou em entrevistas que o desfile militar de 07 de setembro acontecerá no seu local tradicional, a Avenida Getúlio Vargas, no centro da cidade.

O chefe de Estado brasileiro deverá comparecer a atos em Brasília e no Rio de Janeiro, no dia da independência do país.

Eventos organizados em Brasília contarão também com a presença do Presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, que viajará até ao Brasil para assistir às comemorações dos 200 anos da independência.