Na quinta-feira, fonte do Ministério da Cultura tinha indicado à Lusa que a subdiretora-geral do Património Cultural iria deixar as funções que ocupa há oito meses, justificando a saída, a seu pedido, com “motivos pessoais”.

A saída acontece pouco mais de um mês depois de um relatório, enviado à tutela, sobre o processo de abertura da exposição "Dissonâncias", no Museu Nacional de Arte Contemporânea (MNAC), localizado no Chiado, denunciar tentativas de ingerência nas competências da direção, no conteúdo de textos curatoriais da exposição e violação do "espírito de autonomia dos museus".

"Venho desmentir categoricamente as afirmações nele produzidas, no que se referem à minha pessoa e que são falsas, já que nunca pressionei a Dr.ª Emília Ferreira a alterar os textos das curadoras, mas não são apenas falsas, são ainda difamatórias, pois imputam à minha pessoa atitudes censórias que sempre repudiei", escreve a ainda subdiretora-geral, no seu comunicado.

O relatório interno, a que a agência Lusa teve acesso, foi enviado pela diretora do museu, Emília Ferreira, ao gabinete da ministra da Cultura, Graça Fonseca, e reúne as diligências realizadas pela responsável junto da Direção-Geral do Património Cultural (DGPC), entre maio e agosto, para pedir a resolução urgente dos problemas que impediam a abertura da mostra, adiada várias vezes.

Na quinta-feira, a Lusa tentou contactar por várias vezes a subdiretora-geral Fátima Marques Pereira, sem obter resposta.

"A divulgação desse documento interno produzido pela Dr.ª Emília Ferreira é grave, porque extravasa o âmbito da DGPC, mas é sobretudo grave pelas afirmações produzidas, atentatórias do meu bom nome", afirma a subdiretora-geral no comunicado enviado hoje à Lusa.

"Dissonâncias" acabou por abrir ao público a 30 de setembro, com 85 obras de 45 artistas, dando a conhecer uma seleção das aquisições e sobretudo de importantes doações de artistas e mecenas para o MNAC nos últimos dez anos.

Ainda sobre o conteúdo do relatório, Fátima Marques Pereira diz: "Que a Dr.ª Emília Ferreira não goste da minha pessoa está no seu pleno direito, que me ataque com falsos pretextos de censura, já se enquadra no âmbito da difamação".

A exposição em causa foi inicialmente adiada devido à pandemia, mas o museu enfrentou vários problemas técnicos, entre os quais a necessidade de substituição de projetores antigos que deixaram de funcionar, impedindo a iluminação das obras, uma situação "estrutural" que a diretora refere várias vezes no relatório que foi depois entregue à tutela.

No documento, Emília Ferreira descreve os contactos realizados com a subdiretora-geral Fátima Marques Pereira, no sentido de viabilizar a abertura da exposição, e posteriormente dos pedidos daquela responsável para lhe serem enviados documentos sobre custos de adjudicações, e os textos das curadoras da mostra, Adelaide Ginga e a própria diretora do museu.

Emília Ferreira conta, no relatório, que estranhou este pedido dos textos curatoriais, que, "em 20 anos de função pública, nunca" lhe tinha acontecido, e que, escreve, perante a lei do regime jurídico de autonomia dos museus, "constitui uma clara ingerência na atividade do museu e nas competências da sua direção".

"Para que fique claro, nunca pressionei a Dr.ª Emília Ferreira a alterar os textos curatoriais, na reunião de 22 de Junho, referida pela própria, onde não estávamos sozinhas". E acrescenta que "nunca" violou a lei da autonomia de gestão dos museus, "como nesse documento é dito falsamente", assim como não teve "qualquer influência nas tomadas de decisão" da diretora do MNAC.

Fátima Marques Pereira considera ainda que teve uma atuação, neste processo, "no sentido de viabilizar a concretização da exposição 'Dissonâncias' de tal forma, que, não obstante as múltiplas dificuldades", esta abriu ao público no dia 30 de setembro, onde, recorda, no comunicado, esteve presente com a diretora do museu.

"O meu currículo e todas as pessoas com as quais tenho colaborado, artistas e curadores, são prova suficiente da minha posição em favor da liberdade de expressão, pelo que não poderei aceitar que o meu bom nome possa estar em causa, sob pena de ter de agir na sua defesa", finaliza a subdiretora-geral da DGPC.

A diretora do MNAC dá conta ainda, no relatório, que, numa reunião com a subdiretora-geral, o teor não se centrou nas questões orçamentais, mas nos textos das curadoras, tendo chegado a comentar que os considerava uma "falha grave de falta de cultura institucional", podendo, caso fossem tornados públicos, ser "muito graves" para a diretora do museu, sobretudo por ter manifestado a intenção de concorrer à futura direção, pondo “em causa a presente Direção-Geral do Património Cultural e a ministra" da Cultura.

Emília Ferreira relata ter negado que os textos em causa tivessem essa intenção, "já que a exposição estava pensada há quase dois anos, portanto, muito antes desta Direção-Geral, e até da nomeação desta ministra [Graça Fonseca], e que, além disso, esta ministra estava pela primeira vez a criar uma política de aquisições de obras de arte".

Rejeitando que a direção do museu tivesse qualquer "agenda política", a diretora justifica, no documento, que os textos da mostra tinham um caráter de "balanço histórico" e sublinhavam "a dívida do MNAC para com os doadores, entre os quais se encontram vários artistas" e seus herdeiros, nomeadamente Arnaldo Fonseca e Jorge Silva Araújo, no domínio da fotografia portuguesa, e que, destaca, entre outros, permitiram "colmatar" várias "ausências" e "lacunas" no acervo da coleção.

A curadoria, referindo-se às novas vanguardas na segunda metade do século XX e século XXI, assinala ainda que "a representatividade deste período continua a apresentar várias e incontáveis lacunas na coleção do MNAC, que refletem a ausência de meios para a concretização de uma política coerente de aquisições, tanto mais que esta é a instituição nacional com a missão pública, há mais de um século, de garantir a representatividade da arte portuguesa e o seu legado".

"Esta enorme lacuna tem sido, de forma errática, minimizada através da generosidade de artistas e colecionadores com a doação de obras", lê-se ainda num dos textos curatoriais de "Dissonâncias".

Noutras comunicações à DGPC, que retomou no relatório, já em agosto, sem ver resolvidos os problemas de adjudicações para obras no museu, em particular na iluminação, Emília Ferreira disse-se "desesperada com o abandono a que este museu foi votado", aludiu a "legítimas reclamações dos visitantes" e apelou à intervenção urgente da DGPC para evitar o "descrédito" para a entidade, de não conseguir abrir a exposição, argumentando, por exemplo: "Sem nada para oferecer [ao público] não conseguiremos mesmo receitas".

O mesmo documento refere ainda que só depois do sucessivo adiamento ter sido noticiado pelo jornal Público, e de a DGPC ter respondido a várias questões colocadas pela agência Lusa sobre a situação, é que obteve, "por parte da subdiretora, a confirmação de que iria haver forma de financiar a exposição".

Na altura, e na sequência de questões enviadas à DGPC pela agência Lusa sobre a montagem da exposição que não chegou a abrir nas datas previamente anunciadas, este organismo do Ministério da Cultura respondeu que o adiamento se deveu à pandemia de covid-19, que obrigou ao encerramento de espaços culturais entre 14 de março e 18 de maio.

"Devido à situação de pandemia e à necessidade de cumprimento do plano de contingência adotado pela DGPC, ao nível da segurança e saúde pública, tornou-se necessário o adiamento da inauguração da exposição por três meses", justificou a entidade.

A DGPC acrescentava que a exposição “Dissonâncias” teve a sua "inauguração adiada para 30 de setembro de 2020, por acordo entre a diretora do museu e a DGPC, tendo em conta a necessidade de ajustar a programação do MNAC de 2020, face ao prolongamento de exposições anteriores em virtude da pandemia, e à necessidade de realizar os procedimentos de contratação pública essenciais à sua concretização, os quais estão neste momento adjudicados aos respetivos fornecedores".

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