estou exausto deste serviço,
mais não, não peçam,
despeçam-me;
tanto tempo a contar,
para quê, para quem?
porque tudo isto, já se sabe,
não passa de serviço,
de manhã à noite e depois
de noite até de manhã (…)

Este é princípio do “NÓS, QUE NEXO”, poema com que Alberto Pimenta abre Zombo, livro que editou já há um ano. É a história dum cansaço, dum aviso longo à beira da saída.

Mário Centeno vai deixar o serviço. Segunda-feira, o ministro das Finanças passa a ser outro. Os comentadores, a opinião publicada, congratulam-se com este que era o segredo mais mal guardado do Estado português: Mário Centeno queria sair — e, agora, sai.

Sai no dia em que foi apresentado o Orçamento Suplementar, para fazer face ao impacto que a pandemia de covid-19 terá nas contas portuguesas.

Entra João Leão: Natural de Lisboa, tem 46 anos, e integrou a equipa inicial de Mário Centeno no Ministério das Finanças, como secretário de Estado do Orçamento.

Neste cargo, João Leão foi o braço direito de Mário Centeno no desenho de uma política orçamental que fez com que Portugal registasse em 2019 o primeiro excedente orçamental da democracia.

Apontado por alguns como o ‘artífice das cativações’, João Leão chega à cadeira até aqui ocupada pelo ‘Ronaldo das Finanças’ no dia em que o Governo aprova o primeiro Orçamento Suplementar desde 2015.

O sucessor de Mário Centeno assume as novas funções num momento em que a economia se depara com uma queda sem precedentes desde pelo menos a Segunda Guerra Mundial, devido ao impacto da covid-19.

Ainda assim, desde o anúncio, hoje ao início da tarde, da saída de Mário Centeno dos cargos de ministro das Finanças (já na próxima segunda-feira) e de presidente do Eurogrupo (a 13 de julho, quando expira o seu mandato), têm-se sucedido as reações elogiosas na Europa.

Entre outros, o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, os comissários Valdis Dombrovskis (vice-presidente executivo) e Paolo Gentiloni (Economia), e a ministra das Finanças espanhola, Nadia Calviño – apontada como uma das grandes favoritas à sucessão — saudaram o trabalho de Centeno no Eurogrupo, a que presidiu desde janeiro de 2018.

Ao anunciar hoje que não concorrerá a um segundo mandato, Centeno esclareceu que vai cumprir o atual até ao final (13 de julho) e dirigirá ainda a eleição para encontrar o seu sucessor, em 9 de julho.

Eleito a 4 de dezembro de 2017 para a presidência do Eurogrupo, por um período de dois anos e meio, Centeno despedir-se-á assim do cargo em julho, tornando-se o primeiro presidente do fórum informal de ministros das Finanças da zona euro a cumprir apenas um mandato.

Centeno foi o terceiro presidente do Eurogrupo, depois do luxemburguês Jean-Claude Juncker (2005-2013) e do holandês Jeroen Dijsselbloem (2013-2018).

O seu mandato termina num contexto de crise económica, na Europa e em todo o globo, causada pelo “Grande Confinamento” motivado pela pandemia da covid-19.

Sob a liderança de Centeno, o Eurogrupo acordou algumas das componentes da resposta europeia à crise da covid-19, designadamente as “redes de segurança” para Estados, empresas e trabalhadores num montante total de 540 mil milhões de euros, o que fica como um dos ‘legados’ do ministro português enquanto presidente do Eurogrupo, tal como têm salientado homólogos e líderes das instituições.

Ao início da noite, o ministro atual e o ministro a partir de segunda-feira anunciavam o Orçamento Suplementar — ou retificativo — para fazer face à pandemia. As estimativas do governo preveem um défice de 6,3% e um rácio da dívida pública face ao Produto Interno Bruto (PIB) de 134,4%.

As medidas incluem um novo ‘lay-off’ simplificado pode ser usado por um máximo de cinco meses; o regresso do Crédito Fiscal Extraordinário de Investimento; uma contribuição adicional de solidariedade para o setor bancário; os trabalhadores independentes ficam dispensados dos dois primeiros pagamentos por conta do IRS; alargamento do prazo de reporte dos prejuízos fiscais e limite dedutível; suspensão da lei das finanças regionais; isenção de vistos do Tribunal de Contas para contratos públicos abaixo dos 750 mil euros; e um reforço de 500 milhões de euros para o Serviço Nacional de Saúde, entre outras medidas.

Portugal, perde, assim, o seu Cristiano Ronaldo, mesmo na altura em que entramos no prolongamento, aqui à beira dos penáltis. Mas não nos podemos esquecer de que em 2016, sem o outro Ronaldo, fomos campeões da Europa.