Segundo uma nota informativa do STJ, este tribunal superior "apreciou hoje o recurso interposto pelo pai da criança (…) e revogou o acórdão do TRL que aplicou à criança a medida de confiança [a instituição] a com vista a futura adoção".
“Ora, a verdade é que não se consegue encontrar factos que demonstrem, seja que o comportamento do pai biológico representa ou é suscetível de representar perigo grave para a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança, seja que o pai biológico revela manifesto desinteresse ou carece de capacidade para assumir o papel de pai da criança”, lê-se no acórdão hoje proferido.
"Chamando a atenção para o facto de a criança ainda não conhecer o seu pai biológico, o STJ decidiu que “antes de ter sido dada uma oportunidade razoável ao estabelecimento dos vínculos afetivos próprios da filiação entre a criança e o seu pai biológico, não pode o direito fundamental da criança ao conhecimento e ao contacto com o seu pai biológico ser sacrificado”, adianta o STJ, a propósito do acórdão agora proferido.
Na decisão tomada pelos conselheiros Catarina Serra, Rijo Ferreira e Cura Mariano, o STJ recusa as alegações de que o pai biológico manifestou desinteresse pela criança “em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade dos vínculos afetivos”, defendendo, em oposição, que isso é “ostensivamente contraditado pelos factos”.
“Aquilo que se verifica, pelo contrário, é que, desde que soube que é o pai […], tem manifestado um interesse forte, categórico e persistente em conhecer e se aproximar” da criança, referem os juízes do STJ.
Sobre as condições de habitabilidade da casa do pai biológico e da condição socioeconómica deste, o tribunal reconhece limitações, mas defende que não podem excluir definitivamente laços afetivos futuros.
“Atualmente, […] não estão reunidas as condições para que a criança seja entregue ao pai biológico. Sucede que tão-pouco estão reunidas as condições para que se exclua já, de uma forma tão absoluta e definitiva, a hipótese de o pai biológico ter e manter uma ligação com a criança. Não há factos que atestem com segurança que inexistem ou que se encontram seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação pela simples razão de que não foram feita uma tentativa séria para que isso pudesse ser verificado”, diz o acórdão.
“A relação biológica – insiste-se – só deve ser preterida em face de comprovada impossibilidade de a preservar”, enfatizam os conselheiros.
O STJ esclarece ainda que, no seguimento do Acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos de 16 de fevereiro de 2016, o STJ considerou que "corresponde ao superior interesse da criança que os laços entre ela e a sua família biológica sejam mantidos, exceto nos casos em que esta se tenha mostrado particularmente indigna".
De acordo com o STJ, deverá ser agora ponderada a aplicação de medidas que assegurem o direito de a criança e de o seu pai biológico se conhecerem e estabelecerem contacto, “ainda que com acompanhamento, apoio e avaliação”.
“Cumprirá ao Estado, através das autoridades públicas competentes, promover e apoiar a tentativa de estabelecer o contacto entre progenitor e criança como uma fase absolutamente necessária do processo, que permitirá, mais tarde, reavaliar a situação e, então, tomar uma decisão tendencialmente definitiva” quanto à criança.
O caso remete a 5 de novembro de 2019, quando as autoridades receberam um alerta a propósito de um recém-nascido encontrado num caixote do lixo na Avenida Infante D. Henrique, perto da estação fluvial.
O recém-nascido foi encontrado por um sem-abrigo, ainda com vestígios do cordão umbilical, tendo sido transportado ao Hospital Dona Estefânia, em Lisboa. Foi depois transferido para a Maternidade Alfredo da Costa por não carecer de cuidados complexos médicos e cirúrgicos.
Na altura, a Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa considerou que "ficou suficientemente indiciado que a arguida, grávida de 36 semanas e em trabalho de parto”, deu à luz o bebé em Santa Apolónia, "colocou o recém-nascido dentro de um saco plástico, juntamente com os demais tecidos expelidos no momento do parto, e colocou-o no interior de um ecoponto amarelo, abandonando, de seguida, o local".
A mãe em causa, Sara Furtado, foi inicialmente condenada em outubro de 2020 a nove anos de prisão efetiva, por tentativa de homicídio qualificado. No entanto, em agosto de 2021, o STJ reduziu a pena para um ano e 10 meses de prisão, o que significou a sua saída em liberdade.
"Uma pessoa com dificuldades em orientar a sua vida, em ter ideias claras, não parece poder identificar-se com o racionalismo gélido de um delinquente tão claramente mental", pode ler-se no acórdão do STJ, emitido à data.
A presidente do Instituto de Apoio à Criança (IAC) também já tinha defendido que a jovem expôs o bebé ao abandono, sem querer matá-lo. Segundo disse Dulce Rocha, a mulher estava numa situação de vulnerabilidade que a levou a abandonar o filho.
A presidente do IAC referiu ainda que não havia indícios, como lesões ou sinais de asfixia, que apontassem para tentativa de homicídio.
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