Num acórdão datado da passada quarta-feira, e a que a agência Lusa teve hoje acesso — o STJ diz não ter, com base na jurisprudência existente, competência para analisar questões relativas a penas parcelares inferiores a cinco anos de prisão: “Nos termos do disposto no artº 400.º, nº 1, al. e) do Código de Processo Penal, não é admissível recurso ‘de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a cinco anos'”, sustentam os magistrados do Supremo.
Embora o antigo presidente do Banco Privado Português (BPP) tenha sido condenado pelo Tribunal da Relação a uma pena efetiva de cinco anos e oito meses de cadeia, tal resultou do cúmulo jurídico das penas inferiores aplicadas aos vários crimes de falsidade informática e de falsificação de documentos dos quais foi considerado culpado.
Em janeiro passado, o STJ já havia negado o recurso interposto por Rendeiro, mantendo a pena de cinco anos e oito meses aplicada pela Relação, mas o ex-banqueiro veio, entretanto, contestar o facto de o Supremo não se ter então pronunciado quer sobre a correção jurídica da caracterização da situação “como de continuação criminosa e não concurso material de crimes”, quer sobre “haver ou não desproporção nas penas parcelares aplicáveis, em caso de não se aceitar a tese da continuação”.
Com base nestes argumentos, João Rendeiro reclamava a nulidade do acórdão proferido em janeiro pelo STJ, mas esta alegação não foi agora aceite pelos juízes conselheiros.
“No seguimento de jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal, que acolhemos, a pena aplicada tanto é a pena parcelar, cominada para cada um dos crimes, como a pena única/conjunta, pelo que, aferindo-se a irrecorribilidade separadamente, por referência a cada uma destas situações, os segmentos dos acórdãos proferidos em recurso pelo tribunal da Relação, atinentes a crimes punidos com penas parcelares inferiores a cinco anos de prisão, são insuscetíveis de recurso para o STJ, nos termos do art. 432.º, n.º 1, b), do CPP [Código de Processo Penal]”, lê-se no acórdão.
Segundo explica, “esta irrecorribilidade abrange, em geral, todas as questões processuais ou de substância que tenham sido objeto da decisão, nomeadamente, as questões relacionadas com a apreciação da prova, com a qualificação jurídica dos factos, concurso efetivo de crimes/crime continuado e com a determinação das penas parcelares”.
“A não apreciação dessas questões elencadas pelo reclamante é, portanto, consequência direta da rejeição do recurso, quanto às penas parcelares. Não existe, por isso, qualquer nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia”, remata.
Em janeiro, o STJ negou o recurso interposto pelo antigo presidente do BPP, mantendo a pena de cinco anos e oito meses de prisão efetiva por vários crimes de falsidade informática e de falsificação de documentos.
No acórdão do STJ, a que a Lusa teve na altura acesso, os juízes conselheiros decidiram “conhecer” do recurso apresentado por João Rendeiro “apenas relativamente à determinação da pena única resultante do cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas, negando provimento ao mesmo” e confirmando o acórdão do Tribunal da Relação “rejeitando-se o recurso do mesmo, porque inadmissível, no que às demais questões por ele suscitadas diz respeito”.
Recorde-se que no ano passado, o Tribunal da Relação tinha rejeitado um recurso apresentado por João Rendeiro tendo-lhe agravado a pena aplicada pelo tribunal de primeira instância em oito meses e passando-a de suspensa a efetiva.
O mesmo acórdão do STJ recusou também o recurso apresentado pelo ex-administrador do BPP Paulo Guichard por “ser quanto a ele irrecorrível a decisão proferida pelo Tribunal da Relação”.
Também Paulo Guichard tinha visto o Tribunal da Relação negar-lhe os recursos da decisão condenatória de primeira instância e agravar-lhe em mais cinco meses, passando-a para quatro anos e oito meses de prisão efetiva.
Paulo Guichard foi também condenado por falsidade informática e falsificação de documentos, crimes praticados em coautoria.
Neste processo foram ainda condenados os ex-administradores do BPP Salvador Fezas Vital e Paulo Lopes, pelos mesmos crimes a, respetivamente, três anos e seis meses de prisão (com pena suspensa se pagar 15 mil euros à associação Cais) e a um ano e nove meses de prisão com pena suspensa.
Estes dois ex-administradores não apresentaram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
O processo estava relacionado com a adulteração da contabilidade do BPP, envolvendo uma verba a rondar os 40 milhões de euros, e o tribunal de primeira instância considerou que os arguidos agiram com dolo direto e que João Rendeiro, Paulo Guichard e Fezas Vital tinham perfeito conhecimento da ocultação de dados ao Banco de Portugal.
O colapso do BPP, banco vocacionado para a gestão de fortunas, verificou-se em 2010, já depois do caso BPN e antecedendo outros escândalos na banca portuguesa.
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