“Na manhã do dia 12 de outubro de 2018, foi-me presente, pelo meu chefe do gabinete, um `documento´ não assinado, não datado e não timbrado”, referiu António Costa, em resposta escrita a uma das perguntas da comissão de inquérito ao furto de Tancos, a que a Lusa teve acesso.

No documento com as respostas às perguntas dos deputados do PSD, do BE e do CDS-PP [o PS e o PCP não enviaram perguntas], António Costa confirma assim as informações prestadas pelo seu chefe de gabinete, Francisco André, em audição na comissão de inquérito.

Tal como Francisco André tinha referido, o documento “tinha-lhe sido entregue pelo assessor militar, major-general Tiago Vasconcelos, a quem pouco tempo antes nesse mesmo dia fora facultado pelo tenente-general Martins Pereira [ex-chefe de gabinete do então ministro da Defesa Azeredo Lopes].

Nesse documento, que o primeiro-ministro enviou em anexo à comissão de inquérito, “refere-se a existência de um informador”.

“Constatei tratar-se de algumas folhas de papel sem qualquer timbre, data, rubrica ou assinatura, epígrafe contendo assunto ou registo de qualquer tipo que permitisse identificar a sua origem”, disse.

“Aparentemente, descreve um conjunto de técnicas e procedimentos operacionais que teriam sido empregues pela Polícia Judiciária Militar para recuperar o material que fora furtado em Tancos”, sublinhou.

Da leitura do documento, Costa retirou que revela “o objetivo preciso de recuperar o material furtado”, a “preocupação em salvaguardar a identidade de um informador” e “indicia que a Polícia Judiciária Militar procurou ocultar à Polícia Judiciária o conhecimento desta operação”.

O primeiro-ministro confirmou também a reunião havida no dia 12 de outubro com o ex-ministro da Defesa Nacional e que lhe mostrou o documento da PJM e afirmou que ficou “com a convicção” de que o ex-ministro “nunca o tinha visto anteriormente”.

Quanto ao conteúdo da reunião, António Costa disse que Azeredo Lopes lhe apresentou o pedido de demissão das funções de ministro e que o aceitou.

O primeiro-ministro negou ter tido consciência em algum momento de que a Polícia Judiciária Militar estaria a “desenvolver uma investigação paralela” visando a recuperação do material furtado.

António Costa refere também que nunca recebeu no gabinete, ao contrário do que tinha sugerido o ex-diretor da PJM coronel Luís Vieira, um documento da sua autoria defendendo que deveria ser a PJM e não a PJ a liderar a investigação.

E, acrescentou, “não tive conhecimento oficial do despacho da senhora ex-Procuradora Geral da República, de 4 de julho de 2017”, em que Joana Marques Vidal atribuía à Polícia Judiciária a competência para a investigação mantendo a PJM como coadjuvante.

António Costa disse que o ex-ministro Azeredo Lopes lhe referiu o contacto da ex-PGR que “teria a intenção de enviar uma participação por escrito”, contra a atuação da PJM, para “efeitos de abertura de um processo disciplinar” mas, tanto quando afirma saber, “essa participação nunca foi formalizada”.

O primeiro-ministro elogiou o ex-ministro da Defesa Azeredo Lopes, considerando que “desempenhou com lealdade as funções” de ministro “transmitindo sempre, em todos os assuntos a informação que considerou relevante” ou que lhe solicitou.

Já quanto ao facto de quer a secretária-geral do sistema de Segurança Interna quer o secretário-geral do Sistema de Informações terem declarado que só souberam do furto pela comunicação social, o primeiro-ministro respondeu que “avalia negativamente”.

“A informação devia ter sido comunicada imediatamente à Secretária-Geral do Sistema de Segurança Interna pela autoridade que em primeiro lugar teve conhecimento da ocorrência”, respondeu o primeiro-ministro.

O furto de material de guerra foi divulgado pelo Exército em 29 de junho de 2017. Quatro meses depois, a PJM revelou o aparecimento do material furtado, na região da Chamusca, a 20 quilómetros de Tancos, em colaboração de elementos do núcleo de investigação criminal da GNR de Loulé.

Entre o material furtado estavam granadas, incluindo antitanque, explosivos de plástico e uma grande quantidade de munições.

O caso ganhou importantes desenvolvimentos em 2018, tendo sido detidos, numa operação do Ministério Público e da Polícia Judiciária, sete militares da Polícia Judiciária Militar e da GNR, suspeitos de terem forjado a recuperação do material em conivência com o presumível autor do crime.