“Não sei como foi o roubo. Para mim, tal como na arrecadação dos comandos, tem de haver conivência lá de dentro. Não estou a afirmar”, disse o general na reserva, que comandou o Exército entre 2014 e 2016.
Ouvido durante mais de três horas na comissão de inquérito sobre o furto de Tancos, o general Carlos Jerónimo acrescentou: “Como é que desapareceram as 'Glock' da polícia? Com conivência lá de dentro. Quando o pilha-galinhas está dentro da capoeira… ‘pfff’”.
Numa intervenção inicial, o general disse que assumiu sempre as suas responsabilidades, ideia que desenvolveu mais à frente na audição ao demarcar-se da decisão do seu sucessor Rovisco Duarte de exonerar cinco comandantes das unidades em redor de Tancos para permitir averiguações.
“Não quero crucificar o meu sucessor, mas nunca vi em 43 anos de serviço afastar alguém para fazer investigações”, afirmou.
Já na intervenção inicial tinha afirmado que andou sempre “no fio da navalha” e que não é “como certos figurões que aparecem na televisão e dizem que estão de consciência tranquila quando todos sabem que mentem”, sem, contudo, apontar nomes.
Durante a audição, o general disse que não queria “arengar sobre Tancos”, mas aproveitar para chamar a atenção para “problemas gravíssimos do Exército”, sendo o principal a falta de efetivos.
Questionado pelo CDS-PP, o general defendeu que é necessário manter os paióis nacionais de Tancos, observando que “apenas dez por cento das munições” armazenadas em Tancos foram transferidas para Santa Margarida.
“Se nós tivéssemos as reservas de guerra que devíamos ter, Tancos é necessário”, defendeu.
O PCP confrontou o general com as dificuldades que o próprio descreveu, afirmando que os militares não merecem trabalhar sem as condições necessárias.
“Não temos dinheiro para tudo e corremos determinados riscos e isso não deve ser do conhecimento público”, admitiu Carlos Jerónimo, considerando que “é obrigação” do Exército continuar as missões com os recursos que tem.
“Não, os generais não podem aceitar todas as missões acriticamente”, contrapôs o deputado do PCP Jorge Machado.
O general começou a audição com uma intervenção inicial na qual mostrou desagrado pela rábula que o humorista Ricardo Araújo Pereira fez na sua rubrica na TVI “Gente que não sabe estar”, parodiando a prestação do coronel David Correia na semana passada na comissão de inquérito.
“Não havia ‘nexexidade’”, disse, recorrendo a uma “deixa” icónica de Diácono Remédios, personagem criado por outro humorista, Herman José.
O ex-CEME criticou o “silêncio ensurdecedor das entidades” sobre o assunto e disse querer fazer “a defesa da honra do militar” que “soube estar” em missões de risco no Afeganistão, recordando que nessa altura morreu um soldado português naquele teatro de operações.
Num tom que classificou como frontal, o general contestou a ideia de que o Exército foi adiando a resolução dos problemas de segurança de Tancos, ironizando: “Se demoram muito tempo? É possível. Quando fiz os testes para a [aquisição] da arma ligeira do Exército ainda não tinha cabelos brancos, foi em 1976” e o ramo ainda não tem nova arma ligeira.
O caso do furto de material militar em Tancos ganhou importantes desenvolvimentos em 2018, tendo sido detidos, numa operação do Ministério Público e da Polícia Judiciária, sete militares da Polícia Judiciária Militar e da GNR, suspeitos de terem forjado a recuperação do material em conivência com o presumível autor do crime.
A comissão de inquérito para apurar as responsabilidades políticas no furto de material militar em Tancos, divulgado pelo Exército em 29 de junho de 2017, tem previstas audições a mais de 60 personalidades e entidades, vai decorrer até maio de 2019 e é prorrogável por mais 90 dias.
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