O relatório, da autoria do socialista Ricardo Bexiga, foi aprovado com os votos favoráveis dos deputados do PS, PCP e BE, com o PSD e o CDS-PP a votarem contra, no dia 19 de junho, excluindo qualquer responsabilização de Azeredo Lopes e do primeiro-ministro, António Costa.
O relatório foi aprovado em plenário em 03 de julho e, dois dias depois, Azeredo Lopes foi constituído arguido no processo judicial, tendo sido hoje acusado pelo Ministério Público de abuso de poder, denegação da justiça e prevaricação.
O relatório admite que “não ficou provado” que tenha havido interferência política na ação do Exército ou na atividade da Polícia Judiciária Militar [PJM] e que Azeredo Lopes “secundarizou” o conhecimento que teve de “alguns elementos” do memorando da PJM com uma descrição da recuperação do material furtado, realizada sem que a Polícia Judiciária soubesse.
Na altura, esta conclusão motivou protestos por parte do PSD e do CDS-PP, com o deputado Telmo Correia a classificar como “surreal” a expressão utilizada no relatório para qualificar a atuação de Azeredo Lopes face ao conteúdo do memorando: “Parece-me surreal dizer que o ministro soube mas que secundarizou. Não, o que aconteceu foi que omitiu, escondeu, foi conivente” com a PJM, “soube da encenação e não agiu”.
O PSD e o CDS-PP justificaram o voto contra o relatório final alegando que o PS, PCP e BE quiseram afastar e branquear responsabilidades políticas do atual Governo.
A coordenadora dos deputados sociais-democratas na comissão, Berta Cabral defendeu que o relatório “traduz uma visão incompleta e parcial” do resultado das audições e que “ficou claro que a motivação fundamental” do PS foi “o afastamento das responsabilidades políticas do atual Governo”.
Ouvido na comissão de inquérito no dia 07 de maio passado, José Azeredo Lopes admitiu que soube do “essencial” do memorando da PJM sobre a recuperação do material furtado em 2017 através do seu chefe de gabinete, general Martins Pereira, dois dias depois da operação.
Azeredo Lopes referiu que nessa altura registou que havia um “informador” que impunha determinadas condições para revelar o local onde estava o material furtado.
“O que me foi transmitido ou nesse dia ou no dia a seguir, era que havia um informador que não podia ser identificado, e que, essencialmente, o que se tinha pedido era que estivesse alguém na margem sul para receber um telefonema com indicação do local onde se encontravam as armas”, relatou.
O ex-ministro acrescentou que “não sabia” que a operação da PJM tinha sido omitida à Polícia Judiciária, admitindo que estava ao corrente do descontentamento da PJM por lhe ter sido retirada a condução do processo, através de despacho da então Procuradora-Geral da República, do início de agosto de 2017.
Azeredo Lopes disse que não informou o primeiro-ministro, António Costa, sobre a existência do memorando da PJM, recusando a acusação do PSD de que faltou ao dever de diligência e lealdade para com António Costa.
Aliás, disse, só leu o documento no dia 12 de outubro, no dia em que apresentou a demissão do cargo ao primeiro-ministro.
Inquirido pelo CDS-PP, BE e PSD, António Costa respondeu por escrito em maio passado, usando de uma prerrogativa legal, afirmando que teve conhecimento do memorando da PJM sobre a recuperação do material na manhã do dia 12 de outubro.
“Na manhã do dia 12 de outubro de 2018, foi-me presente, pelo meu chefe do gabinete, um ‘documento’ não assinado, não datado e não timbrado”, referiu António Costa, em resposta aos deputados, numa carta a que a Lusa teve então acesso.
Da leitura do documento, Costa retirou que revela “o objetivo preciso de recuperar o material furtado”, a “preocupação em salvaguardar a identidade de um informador” e “indicia que a Polícia Judiciária Militar procurou ocultar à Polícia Judiciária o conhecimento desta operação”.
“Constatei tratar-se de algumas folhas de papel sem qualquer timbre, data, rubrica ou assinatura, epígrafe contendo assunto ou registo de qualquer tipo que permitisse identificar a sua origem”, disse.
“Aparentemente, descreve um conjunto de técnicas e procedimentos operacionais que teriam sido empregues pela Polícia Judiciária Militar para recuperar o material que fora furtado em Tancos”, sublinhou.
O primeiro-ministro negou ter tido consciência em algum momento de que a Polícia Judiciária Militar estaria a “desenvolver uma investigação paralela” visando a recuperação do material furtado, (em 2017).
António Costa referiu também que nunca recebeu no gabinete, ao contrário do que tinha sugerido o ex-diretor da PJM coronel Luís Vieira, um documento da sua autoria defendendo que deveria ser a PJM e não a PJ a liderar a investigação.
E, acrescentou, “não tive conhecimento oficial do despacho da senhora ex-Procuradora Geral da República, de 4 de julho de 2017”, em que Joana Marques Vidal atribuía à Polícia Judiciária a competência para a investigação mantendo a PJM como coadjuvante.
António Costa disse que o ex-ministro Azeredo Lopes lhe referiu o contacto da ex-PGR que “teria a intenção de enviar uma participação por escrito”, contra a atuação da PJM, para “efeitos de abertura de um processo disciplinar”, mas, tanto quando afirma saber, “essa participação nunca foi formalizada”.
A comissão de inquérito para apurar as consequências e responsabilidades políticas do furto de material militar em Tancos iniciou os trabalhos em novembro de 2018 e o relatório final foi aprovado em julho passado em plenário, depois de 46 audições realizadas, entre militares e civis, responsáveis pelos serviços de segurança e informações, e titulares de órgãos de investigação, magistrados, para além de Azeredo Lopes.
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