“O país corre o risco de estar a criar uma nebulosa que tem como efeito nunca apanhar os responsáveis”, advertiu Marcelo Rebelo de Sousa no decorrer de uma visita à Madeira.

Para o chefe de Estado, “um dos efeitos de querer disparar em várias direções”, na base do debate e da “especulação política”, pode ser desfocar a atenção do essencial e, “prender os responsáveis, nunca mais ser feito”.

“Como a mim o que interessa é prender os responsáveis, até parece que é de propósito que de cada vez que se deve deixar espaço para a investigação, para que ela se aprofunde, surgir uma nebulosa que tem como efeito objetivo juntar as mais diversas pistas que obviamente não facilitam a investigação”, afirmou.

Marcelo reiterou que não sabia de nada sobre qualquer “encobrimento” no caso das armas de Tancos, chegando a classificar de “coisa do outro mundo” pensar-se que poderia ter conhecimento e andar ao mesmo tempo a insistir na necessidade de esclarecimento.

“Não há nenhum dado novo”, declarou, quando confrontado pelos jornalistas na Madeira, no final de um debate com alunos do antigo ‘Liceu do Funchal’, com a possibilidade de a sua Casa Militar ter tido conhecimento de um alegado encobrimento relacionado com as armas furtadas em Tancos no ano passado.

Marcelo Rebelo de Sousa lembrou que o seu anterior chefe da Casa Militar, general João Cordeiro, já esclareceu, há cerca de duas semanas, duas coisas: em primeiro lugar, ter sabido “o que quer que fosse” sobre o memorando escrito pelo ex-porta-voz da Polícia Judiciária Militar (PJM), major Vasco Brazão.

“Segundo, não houve da parte militar da Presidência da República nunca conhecimento daquilo que surgiu como sendo encobrimento e agora já não é encobrimento”, complementou.

O Presidente recordou que, aquando da sua deslocação a Tancos, em 4 de julho, cinco dias depois de o Exército tornar público o desaparecimento das armas, aquilo que foi tornado público “em momento algum envolveu encobrimento”.

“Encobrimento significa haver proteção dada a quem se desconfia que é criminoso em troca de alguma coisa, recuperação das armas ou pista para a recuperação das armas, com a garantia de uma não punição”, salientou.

“Naquela altura, estava-se em cima do acontecimento, procurava-se, como se procura, os responsáveis pelo furto. Portanto, jamais se poderia ter falado de encobrimento porque a preocupação era quem terá furtado”, argumentou.

O chefe de Estado questionou logo de seguida porque estaria a insistir no esclarecimento reiteradamente se soubesse de algum encobrimento.

“Se hoje soubesse quem furtou, não exigia o esclarecimento. Se hoje soubesse o destino das armas, não exigia esclarecimento”, acentuou, acrescentando que, se o Presidente insiste no tema, é “porque não sabe”.

“Podem insistir uma, duas, dez, 20 vezes: se há quem, dia após dia, contra tudo e todos, tem insistido para se apurasse a verdade, foi o Presidente da República”, vincou.

Por isso, para Marcelo Rebelo de Sousa, “do ponto de vista do sentido de Estado e da falta de noção, são coisas do outro mundo achar-se que quem efetivamente andou a insistir permanentemente em relação ao apuramento da verdade, agora aparece como tendo sabido a verdade do momento do furto das armas”.

“É um mundo de pernas para o ar e por aí nunca se apurará nada”, opinou.

O furto de material militar dos paióis de Tancos foi revelado a 29 de junho de 2017 e a recuperação da maior parte do material foi divulgada pela PJM, em comunicado, no dia 18 de outubro de 2017, na Chamusca, a cerca de 20 quilómetros de Tancos.

A investigação do Ministério Público sobre o aparecimento do material furtado, designada Operação Húbris, levou à detenção para interrogatório de militares da PJM e da GNR.

O caso levou já à demissão do anterior ministro da Defesa Nacional, José Azeredo Lopes, em 12 de outubro, invocando a necessidade de evitar que as Forças Armadas fossem prejudicadas pelo “ataque político” e as acusações de que afirmou estar a ser alvo.

O chefe do Estado-Maior do Exército, general Rovisco Duarte, pediu também a resignação, apenas dois dias depois da tomada de posse do novo ministro da Defesa Nacional, João Gomes Cravinho.

Em 25 de setembro, a Polícia Judiciária deteve o diretor e outros três responsáveis da PJM, um civil e três elementos do Núcleo de Investigação Criminal da GNR de Loulé.

Segundo o Ministério Público, em causa estão "factos suscetíveis de integrarem crimes de associação criminosa, denegação de justiça, prevaricação, falsificação de documentos, tráfico de influência, favorecimento pessoal praticado por funcionário, abuso de poder, recetação, detenção de arma proibida e tráfico de armas".

Entre o material furtado estavam granadas, incluindo antitanque, explosivos de plástico e uma grande quantidade de munições.