Estas posições de José Sócrates constam de um artigo hoje publicado na edição "online" do jornal Expresso, depois também enviado à agência Lusa, com o título "Desta vez o nome é Tancos".
"Para ir direto ao assunto, considero que a apresentação da acusação judicial de Tancos tem uma evidente e ilegítima motivação política. Não só pelo momento escolhido - no meio da campanha eleitoral -, mas, principalmente, pela forma como o Ministério Público orientou a sua divulgação pública", sustenta o líder dos socialistas entre 2004 e 2011.
No caso do processo judicial ao furto de armas na base militar de Tancos, segundo José Sócrates, "o truque, desta vez, consistiu basicamente em apresentar nas televisões a prova - uma mensagem do antigo ministro [Azeredo Lopes] para um deputado [Tiago Barbosa Ribeiro] na qual afirma que ?já sabia'. Todos os jornalistas foram atrás".
"Já sabia" - eis a 'smoking gun'. Todavia, lida toda a mensagem, rapidamente nos apercebemos de que o ministro diz que já sabia da recuperação das armas e não que sabia da forma ilegal como elas foram recuperadas. A mensagem nada prova. Não obstante, isolar aquelas duas palavrinhas permitiu o formidável passe de mágica que contaminou toda a conversa posterior. A operação chama-se 'spinning' e constitui hoje uma especialidade da nossa política penal", acusa José Sócrates.
Neste caso de Tancos, o antigo primeiro-ministro lamenta que a partir do momento da difusão do processo não tenha existido praticamente "nem direito de defesa, nem presunção de inocência, nem tribunais".
"Eis ao que chegou esse poder oculto, subterrâneo e quase absoluto que resulta dessa extraordinária aliança entre alguns procuradores e jornalistas. A primeira vítima é o visado, é certo. Mas, se tentarmos ver um pouco mais longe, as próximas vítimas serão os juízes. O seu papel na justiça penal caminhará para a irrelevância. Afinal, já não precisamos deles: O Ministério Público investiga, o Ministério Público acusa, o Ministério Público julga - tudo isto nos jornais e nas televisões, seu terreno de eleição", adverte.
Sobre o momento da conclusão da acusação, José Sócrates considera "fraco" o argumento de que haveria um prazo de prisão preventiva que se esgotava".
"Com tanto tempo para investigar e acusar, é difícil encontrar razões para o não terem feito antes da campanha. O que resta, pelas regras da experiência comum que tanto gostam de invocar, é que queriam que a acusação tivesse exatamente o efeito político que teve", defende.
No plano político, José Sócrates elogia a posição que o presidente do PSD, Rui Rio, teve no frente-a-frente televisivo com o secretário-geral do PS, António Costa, embora lamente que, depois, com o processo de Tancos, o líder social-democrata não tenha seguido o seu princípio de recusa da justiça na praça publica.
Para José Sócrates, Rui Rio "produziu o momento mais singular de toda a campanha afirmando com coragem que a democracia não convive com julgamentos de tabacaria - um novo acorde que teve o impacto de tudo aquilo que se ouve pela primeira vez".
"O outro [António Costa], com esmeradíssima prudência, tratou o caso como assunto de intendência - isso é lá com a justiça. Como se do outro lado de toda esta conversa não houvesse pessoas reais. Como se não estivesse a falar de direitos individuais, de garantias, de Constituição. Como se o direito democrático não fosse, no que é essencial, a imposição de limites ao poder estatal", escreve, numa crítica a António Costa.
No entanto, observa José Sócrates, uma semana depois, com o processo de Tancos, "a situação inverte-se : o primeiro decide atacar o primeiro-ministro dizendo que, se não sabia é grave e, se sabia, mais grave é ainda".
"Esta afirmação só se percebe se o próprio partir do princípio de que o ministro da Defesa sabia, isto é, que ele é culpado. O ataque ao primeiro ministro pode ser político, mas é baseado no julgamento prévio do antigo ministro da Defesa. Em boa verdade, o que fez foi condenar sem ouvir a defesa e sem esperar pelo veredicto de um juiz. Por sua vez, o primeiro-ministro, indignado, declara o óbvio - a declaração encerra uma vergonhosa condenação pública antes de qualquer julgamento", afirma José Sócrates.
No mesmo artigo, considera que o a violação do segredo de justiça "é um crime que o Estado reserva para si próprio".
"Eis no que nos tornámos : em 2005, foi o Freeport; em 2009, as escutas de Belém; em 2014, a operação marquês, agora foi Tancos que se seguiu à espetacular operação de buscas e apreensões a propósito de um concurso de golas para uso em incêndios e que juntou duzentos polícias, vários procuradores e o juiz do costume. Tudo isto, evidentemente, devidamente coberto pelas televisões, avisadas com antecedência", aponta, para tirar a seguinte conclusão: "É isto, e julgo que não é preciso fazer um desenho".
Na quinta-feira, o Ministério Público (MP) acusou 23 pessoas, entre elas o ex-ministro da Defesa, José Azeredo Lopes, no caso do furto e da recuperação das armas do paiol da base militar de Tancos.
Os arguidos são acusados de crimes como terrorismo, associação criminosa, denegação de justiça, prevaricação, falsificação de documentos, tráfico de influência, abuso de poder, recetação e detenção de arma proibida.
O caso abalou as forças armadas, levou à demissão de Azeredo Lopes em 2018 e a polémica em torno do furto, tornado público pelo Exército em 29 de junho de 2017 com a indicação de que ocorrera no dia anterior, subiu de tom depois da, aparente, recuperação do material na região da Chamusca, no distrito de Santarém, em outubro de 2017, numa operação da Polícia Judiciária Militar (PJM).
Nove dos 23 arguidos são acusados de planear e executar o furto do material militar dos paióis nacionais e os restantes 14, entre eles Azeredo Lopes, da encenação que esteve na base da recuperação do equipamento.
(Notícia atualizada às 19h55)
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