As autoridades chinesas “tentaram simplesmente virar a página” após levantarem, no final de 2022, as restrições impostas para tentar conter o novo coronavírus, lamentou o professor da Universidade de Hong Kong.
Ou seja, “nada foi feito” para “perceber o que correu mal e o que deveria ter sido feito melhor”, até para que a humanidade esteja “numa melhor posição para preparar a próxima pandemia”, disse Jin.
O virologista defendeu que os erros começaram quando o SARS-CoV-2 surgiu em Wuhan, em novembro de 2019: “eles não detetaram o surto numa fase inicial e não perceberam que algumas pessoas são altamente infecciosas”.
“Talvez tenha sido porque estavam demasiado confiantes de que estava tudo sob controlo, porque acharam que era apenas gripe aviária”, disse Jin, referindo-se ao vírus H5N1, que matou seis pessoas em Hong Kong entre 1997 e 2002.
O resultado, lembrou o especialista, foi que a Organização Mundial da Saúde só foi informada “quando já era realmente tarde”. “E mesmo quando os hospitais [de Wuhan] estavam cheios de pacientes, eles ainda estavam a tentar fazer os possíveis para o esconder”, lamentou.
No entanto, o Governo chinês tem “apresentado aqueles que cometeram estes erros como heróis nacionais”, algo que Jin descreveu como “realmente contraproducente”.
Até porque o virologista disse acreditar que “teria sido possível controlar a situação”, se a quarentena tivesse sido implementada em Wuhan “muito mais cedo, por exemplo em dezembro de 2019”.
O professor da Universidade de Hong Kong lembrou que a região chinesa “esteve praticamente livre do coronavírus durante um período relativamente longo”, até ao final de 2021, com o surgimento da Ómicron.
Com a nova variante, “demasiado infecciosa, demasiado transmissível”, “a política ‘zero covid’ já não funciona”, defendeu Jin. E, tendo em conta que a Ómicron é “também menos patogénica”, o preço a pagar pela sociedade “é demasiado elevado”, acrescentou.
A política ‘zero covid’ incluía a imposição de bloqueios em bairros ou cidades inteiras, que podiam demorar meses, a realização constante de testes em massa, e o isolamento de todos os casos positivos e contactos diretos em instalações designadas.
Ainda assim, a China só abandonou a política em dezembro de 2022, após uma onda de protestos em várias das principais cidades chinesas, numa exibição pública invulgar de desaprovação das políticas do líder Xi Jinping.
Jin Dong-Yan defendeu que a China manteve o rumo devido a questões de “orgulho nacionalista” e lembrou que, mesmo depois de a política ter sido abandonada, as autoridades continuam a insistir que “tinham estado certas na altura”.
Mas o virologista disse acreditar que, se o Governo “não tivesse desperdiçado tanto dinheiro em testes a toda população, poderia ter usado esses recursos para reforçar o sistema de saúde e comprar mais antivirais e vacinas mais eficazes” para preparar a reabertura.
Jin lamentou que só a China e a Rússia não tenham até ao momento aprovado a vacina produzida pela Pfizer-BioNTech.
Em meados de fevereiro, altura em que China declarou uma “vitória decisiva” contra a pandemia, o fim da política ‘zero covid’ tinha oficialmente causado 83.150 mortes, um número que especialistas disseram estar “certamente aquém” da realidade.
“Os dados são certamente uma subestimação do número real”, afirmou à Lusa o epidemiologista e estatístico na área médica Ben Cowling, apontando que os testes laboratoriais de deteção do vírus “deixaram de ser realizados com frequência nos hospitais”, pelo que a “maioria dos casos, hospitalizações e mortes pela doença [na China] não foram confirmadas laboratorialmente”.
As autoridades chinesas têm promovido uma teoria da conspiração que acusa os Estados Unidos de desenvolver o SARS-CoV-2 no laboratório militar de Fort Detrick, como uma arma biológica.
Uma teoria “absurda”, diz Jin Dong-Yan, uma vez que “ninguém em Fort Detrick estava a estudar os coronavírus”. “Não é como se os americanos estivessem a desenhar vírus para infetar chineses”, acrescentou.
Por outro lado, o especialista também descreveu como “sem provas e infundadas” as alegações de que um acidente de laboratório em Wuhan esteve “muito provavelmente” na origem da pandemia, feitas no final de fevereiro pelo diretor do FBI, Christopher Wray.
Mas o virologista admitiu que “é a política errada [das autoridades chinesas] de ser menos aberto, menos transparente, que dá espaço para que esta teoria da conspiração ganhe asas”.
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