O espetro noticioso desta crónica — cujo intuito não mais é do que decifrar o tema que está na ordem dia — tinha várias possibilidades. Desde a notícia de que Fisco começa a pagar reembolsos do IRS esta semana, passando pelo facto de o Ministério Público ter deixado cair acusação de homicídio no caso Ihor Homeniuk (cuja leitura do acórdão está marcada para 10 de abril) ou até à reação oficial do PSD à decisão do juiz Ivo Rosa relativamente à Operação Marquês, pela voz do líder Rui Rio ("é a Justiça a não funcionar").

Mas o que pesou mais para alimentar as linhas que se seguem foi o estudo revelado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, A Pobreza em Portugal – Trajectos e Quotidianos. É que a informação nele contida é dura, crua e reflete a triste realidade de muitos e demasiados portugueses. Porque ter emprego não é sinónimo de fugir a esta realidade ou não estivesse um em cada três trabalhadores a viver numa situação de pobreza.

Por outras palavras, o estudo indica que um quinto da população portuguesa é pobre e a maior parte das pessoas em situação de pobreza... trabalha. E somos confrontados com quatro perfis de pobreza em Portugal:

  • Reformados: 27,5%
  • Precários: 26,6%
  • Desempregados: 13%
  • Trabalhadores: 32,9%

Neste último perfil estão trabalhadores pobres que até conseguem ter ligações a empresas com mais de 10 ou 20 anos. O problema reside no facto de ganharem pouco ou demasiado pouco. E o que ganham têm de dividir com a família, em muitos casos, numerosa.

"Se nos debruçamos sobre os fatores que levam as pessoas entrar na pobreza, são os mesmos que impedem que elas saiam", disse, em declarações à agência Lusa, o coordenador do estudo, Fernando Diogo, professor de Sociologia na Universidade dos Açores. O investigador acrescenta ainda que "em Portugal, há uma pobreza tradicional: é persistente e transmite-se".

E esta transmissão é feita a partir dos "três D": Desemprego, divórcio e doença. Esta última, aliás, surpreendeu bastante o investigador e a equipa que o ajudou a elaborar o estudo. É que não se trata somente de um problema individual — este ganha lastro no círculo familiar, a par daquilo que acontece com o desemprego.

Mas a situação de divórcio (ou a separação dos casais) também é outro fator importante para contribuir para a pobreza já que estampa "situações que já de si são de grande fragilidade, leva facilmente os indivíduos para a pobreza, considerando a redução de rendimentos causada pela separação e os seus efeitos em cascata, incluindo na atividade laboral".

Portugal é o 8.º país da União Europeia com maior nível de desigualdade. Quem o recorda é a coordenadora nacional da Rede Europeia Anti-Pobreza, Sandra Araújo, que explica que este estudo é importante para enfatizar a situação em que muitas famílias vivem. Se este constitui por si só uma "surpresa", a história é outra, mas pelo menos permite traçar um retrato com dados quantitativos e desmistifica estereótipos como a culpa de ser pobre ser dos próprios pobres.

É, portanto, pertinente colocar a questão: então e no futuro? Se o cenário já é por si só muito negro, o que se pode esperar num ano em que a pandemia provocou um arrombo gigante na economia? Ora, na opinião dos 11 investigadores que participaram no estudo, "a pandemia e suas consequências estão já a ter um efeito na pobreza em Portugal, intensificando-a e aumentando o número de pessoas nessa situação", com a certeza de que "não está a atingir todos por igual e os mais pobres estão a ser mais afetados".

Até quando irão as famílias com rendimentos tão baixos ter de viver no "fio da navalha"? A julgar pela crise que aí vem, em que os pobres serão os mais afetados, ainda durante mais tempo do que seria desejável. E esse é um problema deveras preocupante e cuja discussão devia de ser bem maior do a que na realidade é. 

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