Em apreciação estava o facto de Siza Vieira ter acumulado o cargo de ministro Adjunto, em 2017, com as funções de sócio de uma empresa de transação de bens imobiliários que abriu com a mulher, um dia antes de tomar posse, o que configuraria uma violação da lei das incompatibilidades, que obriga os membros do Governo a um regime de exclusividade.

O acórdão hoje publicado na página do Tribunal Constitucional (TC) na Internet justifica o arquivamento com a "inutilidade superveniente" do referido processo, uma vez que Siza Vieira já não é titular do cargo que deu origem à incompatibilidade.

Siza Vieira foi exonerado do cargo de ministro Adjunto na remodelação efetuada em outubro pelo primeiro-ministro, António Costa, tendo tomado posse de seguida de outro cargo, desta vez como ministro Adjunto e da Economia.

Como o cargo já não é o mesmo que deu origem ao processo, o tribunal optou pelo arquivamento, embora recordando que Siza Vieira, já no papel de ministro Adjunto e da Economia, "encontra-se sujeito ao dever de apresentação de nova declaração de inexistência de incompatibilidades ou impedimentos".

"Tornou-se, assim, inútil o prosseguimento dos autos, na medida em que qualquer consequência que pudesse ser associada a uma eventual situação de incompatibilidade apenas poderia reportar-se ao cargo à data exercido", justificam os juízes do Palácio Ratton.

Segundo o acórdão, quaisquer sanções a aplicar "pressupõem o exercício efetivo do cargo em questão pelo titular respetivo", o que já não acontece.

"As consequências estabelecidas na Lei n.º 64/93 para a infração do regime de exclusividade aí contido estão necessariamente vinculadas ao exercício do cargo cuja tomada de posse, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, deu origem ao dever de apresentação de declaração de inexistência de incompatibilidades ou impedimentos. Não se reportam ao exercício do cargo de ministro em abstrato", lê-se no acórdão.

Ou seja, o processo não era contra o ministro Siza Vieira, era contra o então ministro Adjunto, Siza Vieira, cujo cargo desapareceu com a remodelação.

Na fundamentação, os juízes do TC utilizam um parecer pedido ao Ministério Público concluindo que Siza vieira "terá agido de boa fé, quer ao apresentar as suas declarações de inexistência de incompatibilidades e impedimentos, quer ao procurar corrigir as situações de incompatibilidades com que se viu confrontado, admite-se que por lapso ou errada pressuposição de inexistência de tais incompatibilidades".

O Ministério Pública defendeu também que "as referidas situações de incompatibilidade encontram-se todas elas já sanadas, não se vendo, por isso, razão para a aplicação de qualquer sanção, designadamente a pesada sanção constante do art. 10.º, n.º 3, alínea b) da Lei 64/93", ou seja, a perda de mandato.

"Por último, a ter-se verificado, nos autos, uma situação de dúvida como a prevista no art. 112.º, n.º 3, da LTC, a cessação da situação de incompatibilidade já se verificou, pelo que nada se oferece ordenar a este respeito", é igualmente referido no parecer do Ministério Público incluído no acórdão.

A lei das incompatibilidades diz que os membros do Governo estão obrigados à exclusividade, não podendo exercer outras funções profissionais remuneradas ou não, bem como a integração em corpos sociais de quaisquer pessoas coletivas com fim lucrativos. A sanção a aplicar nesta situação é a perda do mandato.

A investigação sobre o caso foi pedida pelo Ministério Público, depois de o Tribunal Constitucional não ter detetado a situação na declaração de incompatibilidades e de rendimentos do então ministro Adjunto.

Quando a questão foi levantada, Siza Vieira admitiu só ter tomado consciência da possível incompatibilidade dois meses depois de tomar posse.

"Quando tomei posse, só posteriormente tomei consciência de que não se pode ser gerente, ainda que não remunerado, de uma sociedade familiar e por isso pedi a renúncia quando me foi chamada a atenção para isso”, disse o ministro, depois de ter deixado a gerência da empresa.