“O Tribunal Constitucional decidiu, por maioria, não se pronunciar pela inconstitucionalidade das normas que integram tal regime transitório, por entender, no essencial, que não fere as expectativas legítimas dos requerentes de nacionalidade, nem põe diretamente em causa a vida dos seus destinatários ou a dignidade da pessoa humana”, refere o acórdão que foi lido esta tarde na sede deste tribunal superior, em Lisboa.
O TC entendeu que a alteração em causa “não materializa uma qualquer restrição de direitos, liberdades e garantias, nem viola o principio da proteção da confiança (…)” conforme o principio do Estado de Direito.
A decisão menciona o regime transitório “aplicável aos requerimentos de naturalização apresentados entre 01 de setembro de 2022 e a entrada em vigor do novo diploma pelos descendentes dos judeus sefarditas portugueses expulsos de Portugal nos finais do século XV”.
O acórdão recorda que as alterações à lei aconteceram numa altura em que surgiram suspeitas públicas “de que haveria um uso indevido desta possibilidade [de naturalização]”, especificando que não era certo que “todos aqueles a quem foi atribuída a nacionalidade portuguesa fossem, efetivamente, descendentes de judeus sefarditas portugueses”.
“Aliada a esta suspeita estaria a convicção de que o regime do artigo 6.º, n.º 7, da LdN [Lei da Nacionalidade], não estava a ser bem aplicado – estaria a ser aplicado de forma mecânica e acrítica, como se o Governo estivesse legalmente vinculado a conceder a nacionalidade uma vez que se mostrassem preenchidos os requisitos de naturalização”, menciona o acórdão.
Segundo descreve o TC, “com a passagem do tempo a excecionalidade do regime começou a tornar-se incómoda, pois não era certo que aqueles a quem foi atribuída a nacionalidade portuguesa estivessem a criar laços efetivos com Portugal (tal como é exigido aos restantes requerentes de nacionalidade por naturalização)”, o que motivou o legislador a alterar a lei, para exigir “uma ligação efetiva e atual ao nosso país” dos requerentes de nacionalidade.
Apesar de argumentar pela não inconstitucionalidade da alteração da lei, reconhece, no entanto, que “representa, em parte, um agravamento do regime jurídico de aquisição da nacionalidade por naturalização dos descendentes dos judeus sefarditas portugueses, mas um agravamento que se inscreve numa linha ou trajetória de continuidade que se dirige a uma aproximação com os restantes regimes de aquisição da nacionalidade por naturalização”.
O Presidente da República submeteu ao Tribunal Constitucional o decreto do parlamento que altera as regras de atribuição da nacionalidade a descendentes de judeus sefarditas considerando que pode agravar a situação de reféns em Gaza.
Numa nota publicada no sítio oficial da Presidência da República na Internet, Marcelo Rebelo de Sousa afirmava que “a alteração da lei da nacionalidade, com efeitos aplicáveis a processos ainda em curso, pode agravar a situação de reféns israelitas em Gaza que têm pendentes pedidos de concessão de nacionalidade portuguesa”.
Segundo o Presidente da República, esse efeito “pode ser considerado atentatório dos princípios da confiança e da dignidade da pessoa humana, bem como até, objetivamente, do direito à vida, pois já foi libertada uma refém luso-israelita com base na sua nacionalidade portuguesa”.
O chefe de Estado acrescenta que, por isso, “submeteu a fiscalização preventiva da constitucionalidade pelo Tribunal Constitucional aquele decreto da Assembleia da República, apenas e especificamente por causa do seu artigo 6.º”.
As alterações à lei da nacionalidade foram aprovadas na Assembleia da República em votação final global em 05 de janeiro, com votos a favor da maioria dos deputados do PS, da IL, do BE, de PAN e Livre, abstenções do PSD e de três deputados do PS e votos contra de Chega e PCP.
Quanto à atribuição da nacionalidade por naturalização, estabelece-se no artigo 6.º, que passa a ser “sujeita a homologação final por uma comissão de avaliação nomeada pelo membro do Governo responsável pela área da justiça”, com representantes dos serviços competentes, de investigadores ou docentes e representantes de comunidades judaicas.
Nos termos do mesmo artigo, podem requerer a naturalização os descendentes de judeus sefarditas que, além de demonstrar a pertença a uma comunidade de origem portuguesa, “tenham residido legalmente em território português pelo período de pelo menos três anos, seguidos ou interpolados”.
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