“O Tribunal Constitucional declarou inconstitucionais as normas relativas à promoção do direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género no âmbito do sistema educativo, por entender que violam a reserva de lei parlamentar”, adianta um comunicado divulgado hoje sobre a decisão do Tribunal Constitucional (TC).

“O Tribunal não se pronuncia sobre a substância daquelas normas, no que diz respeito à proibição da programação ideológica do ensino pelo Estado e à liberdade de programação do ensino particular. Esta decisão deixa intocada a garantia do direito à identidade de género e de expressão de género e a proibição de discriminação no sistema educativo”, acrescenta.

Para o TC a lei, da autoria do Governo, publicada em 2018, “diz respeito a matéria de direitos, liberdades e garantias, pelo que o conteúdo constante no diploma não pode ser definido através de regulamento administrativo, por se tratar de competência legislativa reservada da Assembleia da República”, o que levou o tribunal a pronunciar-se hoje, em plenário, pela inconstitucionalidade das normas.

A fiscalização sucessiva do diploma acontece a pedido de “um grupo de 86 deputados à Assembleia da República, dos Grupos Parlamentares do Partido Social Democrata (PSD), do CDS-Partido Popular (CDS-PP) e do Partido Socialista (PS)”, segundo o acórdão do TC.

Em 19 de julho de 2019, um grupo de deputados entregou no Tribunal Constitucional um pedido de fiscalização sucessiva de parte da norma que determina a adoção de medidas no sistema educativo sobre identidade de género.

A lei que veio estabelecer o direito à autodeterminação da identidade e expressão de género, e o direito à proteção das características sexuais de cada pessoa, foi aprovada em 12 de julho de 2018 e publicada em agosto seguinte.

Segundo o comunicado do TC, o tribunal não apreciou os fundamentos do pedido de fiscalização referentes a uma alegada imposição de uma “ideologia de género” no ensino, e centrou-se nas alegações de uma violação do direito de reserva legislativa do parlamento.

“O Tribunal começou a apreciação do pedido pelo segundo dos fundamentos invocados. Entendeu-se que se, como defendiam os requerentes, a definição do conteúdo das medidas de proteção previstas na lei tem lugar, não no nível do diploma legal que as prevê, mas no nível administrativo para o qual este reenvia a sua regulamentação, a principal questão de constitucionalidade diz respeito a saber se o objeto do reenvio integra a reserva de lei. Sendo esse o caso, as normas legais não têm densidade suficiente para a apreciação do primeiro fundamento”, explica-se no comunicado.

A lei de 2018 provocou polémica em 2019, quando foi publicada a regulamentação, com PSD e CDS-PP a serem os mais críticos do diploma que estipula que as escolas “devem garantir que a criança ou jovem, no exercício dos seus direitos, aceda às casas de banho e balneários, tendo sempre em consideração a sua vontade expressa e assegurando a sua intimidade e singularidade”.

Constitucional defende que a autodeterminação da identidade de género nas escolas é competência exclusiva do Parlamento

O Tribunal Constitucional (TC) "chumbou" hoje a regulação pelo Governo da autodeterminação da identidade de género nas escolas, por considerar que a matéria é competência exclusiva da Assembleia da República.

No entanto, o tribunal não se pronunciou “sobre a substância daquelas normas, no que diz respeito à proibição da programação ideológica do ensino pelo Estado e à liberdade de programação do ensino particular”, dá conta um comunicado divulgado pela instituição, acrescentando que esta “decisão deixa intocada a garantia do direito à identidade de género e de expressão de género e a proibição de discriminação no sistema educativo”.

O TC sustentou que a lei n.º 38/2018 de 07 de agosto, a propósito da autodeterminação da identidade de género e expressão de géneros “diz toda ela respeito a matéria de direitos, liberdades e garantias”, uma vez que a Constituição estabelece o “direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género e o direito à proteção das características”.

Por isso, o Tribunal Constitucional considerou que o conteúdo “não pode ser definido através de regulamento administrativo, por se tratar de competência legislativa reservada” do parlamento.

O Tribunal Constitucional também “entendeu que as normas em causa ficam muito aquém desse nível de exigência quanto à extensão da regulação legal”, explicita o comunicado.

Os 86 deputados dos grupos parlamentares de PSD, CDS-PP e PS que requereram a fiscalização sucessiva do diploma invocaram a “violação da reserva de lei parlamentar, uma vez que as normas em causa reenviam para regulamento administrativo sob reserva da competência” do parlamento.

O plenário do TC apreciou a constitucionalidade das normas presentes nos números 01 e 03 do 12.º artigo da lei de 2018, relativas à adoção de medidas no sistema educativo para promover o exercício do direito à autodeterminação da identidade de género e expressão.

O n.º 01 deste artigo refere que cabe ao Estado desenvolver “medidas de prevenção e de combate contra a discriminação em função da identidade de género, expressão de género e das características sexuais” e mecanismos para detetar e intervir sobre “situações de risco que coloquem em perigo o saudável desenvolvimento de crianças e jovens que manifestem uma identidade de género ou expressão de género que não se identifica com o sexo atribuído à nascença”.

A alínea também explicita que têm de ser garantidas as “condições para uma proteção adequada da identidade de género” contra quaisquer configurações de exclusão no contexto escolar, assim como a formação dos profissionais escolares em questões relacionadas com a “problemática da identidade de género, expressão de género e da diversidade das características sexuais de crianças e jovens”, com vista à inclusão “como processo de integração socioeducativa”.

Já o n.º 03 indica que os membros do Governo com as tutelas da igualdade de género e da educação tinham de adotar, “no prazo máximo de 180 dias, as medidas administrativas necessárias” à execução dessas medidas.

“Entendeu-se que se, como defendiam os requerentes, a definição do conteúdo das medidas de proteção previstas na lei tem lugar, não no nível do diploma legal que as prevê, mas no nível administrativo para o qual este reenvia a sua regulamentação, a principal questão de constitucionalidade diz respeito a saber se o objeto do reenvio integra a reserva de lei”, considerou o TC.

Os deputados das três bancadas também pediram a apreciação constitucional sobre o que entendiam ser a imposição da aprendizagem de uma “ideologia de género” nas escolas, sustentando com a “proibição da programação ideológica do ensino pelo Estado e a liberdade de programação do ensino particular”, como está consagrado na Constituição.

Sobre este ponto, o Tribunal Constitucional declarou que “as normas legais não têm densidade suficiente para a apreciação” desse fundamento.

Em julho de 2019, ainda na anterior legislatura, o requerimento foi elaborado pelos deputados do PSD Miguel Morgado, Nilza Sena e Bruno Vitorino e foi assinado, entre outros, pelo líder parlamentar do PSD, Fernando Negrão, pelos sociais-democratas Maria Luís Albuquerque, Hugo Soares, Adão Silva ou Marques Guedes, e pelos democratas-cristãos João Almeida, Pedro Mota Soares, Telmo Correia ou Filipe Anacoreta Correia, entre outros, totalizando um número muito acima dos 23 parlamentares exigidos pela Constituição para estes pedidos.

(Artigo atualizado às 22:54)