Com início de julgamento marcado para o próximo dia 20, em causa está a condenação, pelo Banco de Portugal (BdP), da KPMG ao pagamento de uma coima de três milhões de euros, do seu presidente, Sikander Sattar, de 450.000 euros, de Inês Neves (425.000 euros), de Fernando Antunes (400.000 euros), de Inês Filipe (375.000 euros) e de Silvia Gomes (225.000 euros), de que todos recorreram.
A decisão do BdP concluiu que houve a violação de normas que determinam o “dever de os revisores oficiais de contas ao serviço de uma instituição de crédito e os auditores externos de comunicarem factos que são suscetíveis de determinar uma emissão de reserva às contas da entidade que auditam”, neste caso o Banco Espírito Santo (BES), e a prestação de informações incompletas e de informações falsas ao supervisor, relativas à situação da filial em Angola (BESA).
Na sua decisão, de 22 de janeiro de 2019, que culminou com a autuação em 17 de junho, o BdP considerou ter ficado provado que, entre 2011 e, pelo menos, dezembro de 2013, os arguidos sabiam que, no âmbito do seu trabalho de auditoria, nomeadamente para efeitos de certificação das contas consolidadas do BES, não tinham acesso a informação essencial sobre a carteira de crédito do BESA e que, pelo menos a partir de janeiro de 2014, sabiam que existia um conjunto de créditos considerados incobráveis.
Para o BdP, tais factos deveriam ter determinado a emissão de uma reserva às contas consolidadas do BES e deveriam ter sido comunicados ao supervisor.
Nos pedidos de impugnação entregues no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), consultados pela Lusa, os arguidos afirmam ser “falso” que tenham tido conhecimento de qualquer informação sobre a carteira de crédito do BESA que fosse suscetível de gerar reservas às contas consolidadas do BES.
Na sua defesa, a KPMG salienta que as contas do BESA foram auditadas em 2011, 2012 e 2013 pela KPMG Angola, pessoa coletiva de direito angolano que não tem qualquer relação de grupo com a KPMG Portugal, apesar de serem ambas presididas por Sikander Sattar.
A KPMG assegura que a ata da assembleia-geral do BESA, realizada nos dias 03 e 21 de outubro de 2013, traduzia uma “fotografia provisória” da situação do banco, por, nessa altura, estar ainda a ser recolhida informação, e alega que a mudança de administração da filial angolana do BES dificultou o acesso e “porventura levou ao desaparecimento” de alguma informação.
Sobre o exercício de 2013 do BES, afirma que o reporte teve em conta a existência da garantia soberana do Estado angolano que assegurava o reembolso dos créditos em causa.
Negando ter havido prestação de informações incompletas e falsas, a KPMG refere a reunião realizada a 06 de junho de 2014 com a equipa do BdP, em que foi prestada a informação que tinha na sua posse e que havia sido solicitada em 30 de maio, nomeadamente, de que o valor máximo de perda potencial, caso não existisse garantia soberana, era de 3,4 mil milhões de euros.
Quanto aos arguidos singulares, afirma que as infrações que lhes foram apontadas dependem do exercício das funções de revisor oficial de contas do BES, sendo “absolutamente irrelevante” os cargos sociais que ocupavam à data dos factos na KPMG Angola e na KPMG Portugal, bem como o facto de serem sócios ou ‘partners’ com contratos de trabalho com as auditoras.
A KPMG Portugal foi Revisor Oficial de Contas (ROC) e auditor externo do BES desde dezembro de 2006. Em 2010 assumiu a gestão da KPMG Angola, a pedido da KPMG International.
O processo surge no âmbito do aumento da exposição do BES ao BESA, sendo que, entre janeiro de 2011 e agosto de 2014, data da resolução do Banco Espírito Santo, o montante total do financiamento concedido por este passou de cerca de 3,131 mil milhões de dólares para perto de 5,1 mil milhões.
O TCRS vai iniciar igualmente (ainda sem data marcada) o julgamento dos recursos às coimas, superiores a 3,5 milhões de euros, aplicadas pelo supervisor a ex-administradores do BES também no âmbito da exposição do banco ao BESA.
Na condenação, em junho de 2019, o Banco de Portugal aplicou coimas de 1,8 milhões de euros ao ex-presidente do Banco Espírito Santo Ricardo Salgado, de 1,2 milhões de euros ao antigo administrador Amílcar Morais Pires, de 400.000 euros a Rui Silveira e de 150.000 euros a Gherardo Petracchini, que recorreram da decisão para o TCRS.
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