Os desembargadores da Relação rejeitaram a nova reclamação de José Sócrates no âmbito do processo Operação Marquês, tendo o coletivo criticado no acórdão o que classificaram como “um ato manifestamente dilatório”, sublinhando que “não é legalmente admissível a apresentação de sucessivas reclamações”, acrescentando que esse “tem sido o comportamento processual” de José Sócrates.

“O reclamante/recorrente encontra-se a protelar de forma manifestamente abusiva e ostensiva o trânsito do despacho de pronúncia e, consequentemente, da sua submissão a julgamento. Os tribunais não podem aceitar a adoção de tal comportamento processual”, lê-se no acórdão do TRL.

O coletivo enfatiza que “existe um momento processual em que o direito a discordar das decisões jurisdicionais não é mais admissível” e que para lá desse momento “a discordância deixa de constituir o exercício de direitos de defesa e passa a constituir um exercício ilegítimo desse direito”.

“Este comportamento processual não deriva de um desconhecimento ou errada interpretação das normas processuais penais, mas constitui um comportamento doloso e ‘contra legem’ (contra a lei) e visa, somente, retardar artificialmente o trânsito em julgado da decisão”, argumentam ainda os desembargadores, que citam acórdãos anteriores do TRL para defender que "não é processualmente admissível a transformação de um processo judicial, com decisão final, num interminável carrossel de requerimentos/decisões/recursos em que, sucessivamente, em todos os patamares de decisão judicial, são suscitadas, circularmente, sem qualquer fundamento real, sucessivas questões (…) até, enfim, à prescrição do procedimento criminal".

O tribunal insiste que o comportamento do antigo primeiro-ministro “não é justificável” e sublinha que “a lei impõe ao arguido o dever de litigar de forma justa e equitativa”, e que lhe cumpre “aceitar que as decisões proferidas pelos tribunais se mostram de cumprimento obrigatório”.

O TRL decidiu ainda, na sequência da rejeição desta reclamação, “todos os requerimentos que, a partir desta data, se relacionem com questões já definitivamente decididas no âmbito do acórdão deste Tribunal, das quais se pretenda interpor recurso/aclaração/reclamação/nulidade ou incidente afim, serão processados em separado, extraindo-se traslado”.

“O processo será remetido ao tribunal a quo após decisão das reclamações enviadas para o Supremo Tribunal de Justiça”, acrescenta-se no acórdão.

O coletivo decidiu ainda que até que sejam pagas todas as custas e multas pendentes no âmbito do processo "não serão admitidas novas iniciativas processuais" de José Sócrates "que visem pôr em causa o trânsito em julgado" da decisão da Relação de Lisboa.

Em reação à decisão de hoje numa nota enviada à Lusa, o ex-primeiro-ministro José Sócrates contesta a acusação de recurso a atos dilatórios constante do acórdão, lembrando ao desembargador relator da decisão, Francisco Henriques, que o processo tem 10 anos: quatro de inquérito, três de instrução e o restante tempo em “conflitos negativos” de competências entre juízes.

“Nenhum destes prazos teve a mais leve responsabilidade da defesa. Mais ainda, em 2017, a defesa apresentou queixa contra o Estado por ausência de justiça em tempo razoável – e em sete anos não houve uma única sessão de julgamento. O Estado não tem moral para falar de manobras dilatórias a ninguém”, afirmou José Sócrates.

Na mesma nota, o antigo governante defende que o juiz Francisco Henriques “está impedido por lei de participar neste julgamento”, por já ter participado noutros julgamentos com origem na Operação Marquês, nomeadamente o julgamento em primeira instância do ex-banqueiro Ricardo Salgado no processo em que foi condenado por abuso de confiança, “o que o torna [ao juiz desembargador] inelegível para estas funções”.

“Assim sendo, a reclamação apresentada pela defesa tem todo o sentido e toda a legitimidade – o tribunal não pode tomar decisões sobre o processo enquanto essa questão não estiver resolvida. Neste momento, ela está em discussão no Supremo Tribunal de Justiça”, alega José Sócrates, que critica o desembargador Francisco Henriques por proferir decisões sem esperar pela decisão do Supremo Tribunal de Justiça.

No processo Operação Marquês, Sócrates foi acusado pelo MP, em 2017, de 31 crimes, designadamente corrupção passiva, branqueamento de capitais, falsificação de documentos e fraude fiscal, mas na decisão instrutória, em 09 de abril de 2021, o juiz Ivo Rosa decidiu ilibar o ex-governante de 25 dos 31 crimes, pronunciando-o para julgamento apenas por três crimes de branqueamento e três de falsificação.

Uma decisão posterior do Tribunal da Relação de Lisboa viria a dar razão a um recurso do MP, e em janeiro determinou a ida a julgamento de um total de 22 arguidos por 118 crimes económico-financeiros, revogando a decisão instrutória, que remeteu para julgamento apenas José Sócrates, Carlos Santos Silva, o ex-ministro Armando Vara, Ricardo Salgado e o antigo motorista de Sócrates, João Perna.

(Notícia atualizada às 20h56)