Quase dois anos depois da invasão da Ucrânia pela Rússia e ataque a Mariupol, entre fevereiro e março de 2022, as três organizações não-governamentais (ONG) defendem ainda que os altos responsáveis russos investigados devem indemnizar as vítimas de violações das leis da guerra e suas famílias.

O relatório de 215 páginas “A nossa cidade desapareceu: a devastação de Mariupol, Ucrânia, pela Rússia”, acompanhado por ferramentas multimédia e um vídeo de 20 minutos, analisa o sofrimento da população da cidade na região do Donbass e os danos em milhares de edifícios, incluindo apartamentos, hospitais, escolas e infraestruturas de gás e eletricidade.

Descreve ainda as repetidas tentativas de responsáveis ucranianos e agências internacionais, confrontados com a obstrução russa, em organizar a retirada de civis e o envio de diversos produtos essenciais.

“A devastação russa de Mariupol permanece um dos piores capítulos da invasão da Ucrânia em larga escala”, disse Ida Sawyer, diretor de crise e conflitos na HRW.

“Os organismos internacionais e os governos comprometidos com a justiça deverão incidir na investigação de altos responsáveis russos que parecem conotados com a prática de crimes de guerra nesta outrora vibrante cidade”, adiantou.

O relatório baseia-se em 240 entrevistas, na maioria residentes deslocados de Mariupol, conduzidas pela HRW e pela ONG ucraniana Truth Hounds, e na análise de 850 fotos e vídeos, documentos e dezenas de imagens de satélite da HRW e da SITU Research.

As ferramentas digitais incluem reconstruções em três dimensões de sete edifícios atingidos, gráficos de escolas e hospitais danificados e uma análise de valas e campas para calcular o número de mortes.

As ONG documentam 14 ataques que danificaram ou destruíram 18 edifícios, provocando a morte de civis. Incluem ataques que atingiam dois hospitais, o teatro que albergava civis, uma loja de alimentação, um local de distribuição de ajuda humanitária, um supermercado e edifícios residenciais.

Nestes ataques, a HRW e a Truth Hounds não encontraram registo de presença militar ucraniana significativa no local ou perto destas estruturas.

“Apesar dos desafios colocados à investigação de crimes de guerra em áreas tornadas inacessíveis pela ocupação russa, nós e os nossos parceiros levámos quase dois anos a descobrir a verdade sobre os crimes horríveis cometidos pelas forças russas em Mariupol”, disse Roman Avramenko, diretor executivo da Truth Hounds. “Esta investigação destina-se a assegurar que estes crimes não serão esquecidos e que os responsáveis vão enfrentar a justiça”.

As análises das imagens de satélite, fotos e vídeos dos principais cemitérios revelaram que mais de 10.000 pessoas foram enterradas em Mariupol entre março de 2022 e fevereiro de 2023, com as ONG a considerarem que pelo menos 8.000 pessoas foram mortas devido aos combates ou com causas relacionadas, apesar de se desconhecer o número de civis incluídos.

O documento admite que o número de mortos pode ser mais elevado pelo facto de algumas sepulturas conterem diversos corpos, e quando alguns familiares ainda procuram os seus próximos.

Milhares de pessoas foram feridas, muitas perderam os membros, a visão, a audição, ou a memória, incluindo por ferimentos traumáticos provocados pelas explosões.

O relatório identifica 17 unidades de forças russas e das milícias russófonas locais que atuaram em Mariupol em março e abril de 2022, no auge dos combates.

Foram ainda identificadas dez pessoas que podem ser indiciadas por crimes relacionados com ataques indiscriminados e um possível bloqueio de ajuda humanitária e retirada da população. Podem ainda ter cometido crimes de guerra e possíveis crimes contra a humanidade pela transferência forçada de residentes de Mariupol para a Rússia e para territórios ocupados pela Rússia, segundo o texto.

“De acordo com o princípio da responsabilidade de comando, um superior é responsável pelos crimes cometidos pelos seus subordinados caso estivesse informado sobre crimes que estariam eventualmente a ser cometidos, mas sem conseguir adotar suficientes medidas para os impedir ou punir”, frisa o relatório.

Em 04 de dezembro de 2023 a HRW enviou ao Governo russo um resumo das conclusões do relatório e uma lista de perguntas, mas até 01 de fevereiro ainda não tinha recebido resposta.

“Desde a ocupação da cidade, as autoridades russas construíram novos edifícios de apartamentos em altitude, incluídos no seu plano de reconstrução e desenvolvimento de Mariupol até 2035. Uma potência ocupante deveria limpar os destroços e demolir estruturas inseguras para proteger a população. No entanto, a na ausência de investigadores independentes, o Governo russo está a apagar as provas físicas de centenas de potenciais locais de crimes”, prossegue o documento.

A abolição dos símbolos e referências da identidade ucraniana é outro aspeto sublinhado, incluindo a adoção de novos programas de ensino e alteração dos nomes das ruas. Os residentes estão também a ser solicitados a obterem passaportes russos, decisivos para o acesso a diversas profissões e a benefícios sociais.

Em Mariupol, as forças secessionistas locais e as tropas russas também utilizaram explosivos de elevado calibre, incluindo artilharia pesada, lança-foguetes múltiplos, mísseis e ataques aéreos em zonas habitadas. O uso destas armas em zonas habitadas, com devastadores impactos nos civis e na infraestrutura civil, justifica para os relatores as preocupações sobre ataques ilegais indiscriminados e desproporcionados.

“Mariupol permanece um testemunho da cruel destruição e sofrimento provocado por armamento explosivo em cidades e localidades em todo o mundo”, referiu Sawyer. “Todos os governos deveriam apoiar a justiça pelos crimes cometidos na Ucrânia e assinar a declaração internacional que condena o uso de armamento explosivo em zonas habitadas”, conclui o relatório.