Ao fim da tarde, dezenas de pessoas concentraram-se no Marquês de Pombal, na capital portuguesa, antes de desfilarem na Avenida da Liberdade, transportando uma longa faixa com as cores da Ucrânia, muitas outras pequenas bandeiras nacionais e cartazes em português e inglês, com mensagens de “Obrigado Portugal”, “Obrigado pelo vosso apoio” ou “A independência está no nosso coração”.
A concentração, promovida pela Associação dos Ucranianos em Portugal (AUP) e que contou com a participação do secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, Carlos Abreu Amorim, decorreu sob o lema “Ucrânia é o coração da Europa”.
“Primeiro, porque a Ucrânia geograficamente fica no centro da Europa”, explicou à Lusa Pavlo Sadokha, presidente da associação, mas também porque “hoje o país tornou-se, com esta resistência ao agressor [Rússia], com a mudança do jogo político global, no coração da Europa”, na medida em que entrou nas discussões sobre “a importância de ganhar esta guerra” e de se continuar a apoiar Kiev, que “defende a Europa.”
A celebração do Dia da Ucrânia acontece num momento em que as forças ucranianas têm em curso, desde 06 de agosto, uma ofensiva terrestre sem precedentes na região fronteiriça russa de Kursk, ao mesmo tempo que tentam conter os avanços das tropas de Moscovo na província de Donetsk, no leste do país.
“Ficámos surpreendidos com estes avanços e a primeira coisa que temos de fazer é agradecer aos militares ucranianos”, comentou Pavlo Sadokha.
Apesar de o desfecho desta operação ser incerto, já “é uma vitória, porque animou todos os ucranianos”, após um ano marcado pelo impasse no campo de batalha e atrasos no apoio ocidental a Kiev, sobretudo dos Estados Unidos.
Agora, prosseguiu ainda o dirigente da AUP, as tropas de Kiev mostraram que “são capazes, são eficazes” e que, “quando a Ucrânia mostra a sua força, os russos recuam”, o que poderá, na sua análise, mudar também as sondagens à população ucraniana, realizadas antes da ofensiva em Kursk, que expressaram maior predisposição para negociações com Moscovo.
Desde o início da invasão russa, em 24 de fevereiro de 2022, cerca de 58 mil pessoas refugiaram-se em Portugal, juntando-se a uma comunidade já existente de mais de 40 mil residentes no país, constituindo dois grupos que eram os mais representativos na concentração de hoje e que, além do agradecimento a Portugal pelo acolhimento, pedem igualmente a continuação do apoio financeiro e militar a Kiev.
Foi a eles que se dirigiu o secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Parlamentares e também ao povo ucraniano e ao seu presidente, Volodymyr Zelensky, que estão “a travar uma luta, que é justa, porque foi provocada por uma invasão”.
Mas, mais do que uma invasão e uma disputa de fronteiras, frisou em declarações à Lusa, trata-se de “uma luta entre a liberdade e a democracia e aqueles que estão contra os valores pelos quais se fez e se faz a Europa todos os dias”.
Nesse sentido, Carlos Abreu Amorim referiu-se ainda a uma mensagem do primeiro-ministro, Luís Montenegro, dirigida a Zelensky por ocasião do Dia da Ucrânia, salientando que se trata ainda de “uma luta entre duas formas de encarar o mundo e o Governo português, juntamente com a maioria dos governos europeus, está ao lado da Ucrânia”.
Entre as várias pessoas que entoavam a tradicional saudação patriótica “Slava Ukraini, heroiam slava” (“Glória à Ucrânia, glória aos heróis”, alusiva à luta pela independência), encontra-se Alina, uma refugiada de Dnipro, um grande cidade no centro da Ucrânia próxima das zonas de combate, de onde partiu há três meses com o marido, autorizado a sair do país por ter filhos, para um país calmo e sem ataques.
“Poderíamos ficar [em Dnipro] mais tempo, até à vitória da Ucrânia”, afirmou, mas a decisão de fugir foi movido pela inquietação da sua pequena filha de um ano e meio, “um bebé da guerra”, à medida que os bombardeamentos russos se intensificaram e ela sentia medo durante a noite.
Apesar de gostar de viver de Portugal, “um país muito bonito e com um belo oceano”, o regresso a Dnipro deveria ser “amanhã”, mas o calendário terá de esperar pelo fim do conflito e, nessa altura, “sem dúvida, o melhor local para viver será na Ucrânia”, segundo confessou à Lusa.
Junto desta refugiada, está também Nadia que recordou igualmente a sua cidade de origem, em Kherson, no sul da Ucrânia, de onde partiu pouco antes do início guerra e sem perspetivas de regresso, sendo uma área de frente de combate intenso, numa das quatro regiões reivindicadas como províncias anexadas ilegalmente por Moscovo.
“Quero deixar uma mensagem de melhorar o nosso o país, Ucrânia, para acabar a guerra”, afirmou num português esforçado, começando por pretender dizer algo a respeito do presidente russo, mas abstendo-se depois de mais comentários “para não dizer muito mal”, já que prefere elogiar a determinação do seu país: “Slava Ukraini!”.
Portugal tornou-se no segundo país de outra Alina, residente em Lisboa há seis anos, e que compareceu no Marquês de Pombal para celebrar a independência do primeiro, Ucrânia, que “vai lutar por ela, não importa como”, sabendo que será uma luta “longa e difícil”.
E para esse esforço que Nestor, um jovem de 21 anos filho de ucranianos nascido em Portugal, apela para a generosidade dos portugueses, pedindo a continuação deste apoio, na forma de doações para as forças armadas ucranianas ou para os refugiados, ou ainda a espalhar a palavra para que outras pessoas tenham consciência das dificuldades da Ucrânia em preservar a sua independência.
“Estamos confiantes, mas sabemos que é um tempo muito difícil para nós”, afirmou Nestor, um dos vários manifestantes que leva um cartaz a dizer “Obrigado Portugal”, dando conta de que o dia nacional traz um ânimo extra e insistindo na esperança no povo ucraniano e nas forças armadas para “vencer este mal”.
Segundo Ricardo Róis, um português de 47 anos que passou os últimos três meses com a mulher ucraniana em Kiev, os habitantes da capital têm experimentado um quotidiano marcado pela saturação da infraestrutura energética, devido aos bombardeamentos russos, que levam a cortes de eletricidade prolongados, trazendo muitas limitações num verão mais quente do que se pensa em Portugal e provavelmente mais perturbações ainda no próximo inverno.
A atual militar incursão em Kursk deu “mais força” aos ucranianos, comentou o português que viveu três anos na Ucrânia antes da invasão russa, sublinhando o estado de “espírito forte” da população.
“Não é gente que desista com facilidade”, observou Ricardo Róis na concentração em Lisboa, avisando que os ucranianos “acreditam mais [na vitória contra a Rússia] do que muita gente no Ocidente”.
Se fosse de outro modo, frisou ainda, “a guerra já estava despachada”.
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