Ontem, 3 de agosto, DJ Van Breda partilhou um vídeo onde fala sobre a sua experiência com “dumpster diving”, ou seja, um mergulho no contentor. Em que consiste? O DJ e um amigo, João Siragusa, foram ao caixote do lixo de um supermercado onde uma amiga, Joana Bianchi, tinha relatado ter visto um homem no exterior de um supermercado, perto da hora de fecho, a “encher uma mochila” com alimentos que, de outra maneira, iriam para o lixo.

Ness mesmo contentor, o que Van Breda e João Siragusa viram, segundo contaram em publicações no Instagram, não foi lixo, mas sim vários quilos de fruta, legumes (embalados e não só), e muito pão cuja validade terminava nesse dia.

“Estava tudo impecável, o prazo de validade terminava no dia de hoje [dia 3 de agosto] e a quantidade de comida desperdiçada alimenta várias famílias.”, escreveu João num post do Instagram. Não trouxeram tudo o que estava no caixote do lixo, mas ainda salvaram do desperdício três sacos grandes de pão embalado e também fatiado.

O vídeo, que mostra os alimentos resgatados, mas não o mergulho no contentor, teve já mais de 1,2 milhões de visualizações. Além disso, várias pessoas apoiaram a exposição do problema de desperdício alimentar, entre elas nomes como o comediante Diogo Faro, DJ Pete Tha Zouk e a maquilhadora Inês Mocho.

Na manhã desta terça-feira, DJ Van Breda e o amigo foram “fazer uma segunda ronda para perceber se tivemos muita sorte ou se isto é algo sistémico”. Demoraram “literalmente 20 minutos a encontrar um caixote com desperdício”, dizem no vídeo da rede social Instagram, onde pedem respostas às “grandes superfícies”. Nos primeiros segundos do vídeo, mostram um pacote de legumes diversos que ainda está dentro da validade.

“Pode não estar em perfeito estado para ser vendido, mas para ser doado, sim”

Entre vários quilos de batata doce, pimentos, couves, maçãs, são duas mesas cheias de legumes, fruta e pão. “Na nossa ótica estão em perfeito estado. Pode não estar em perfeito estado para ser vendido, mas para ser doado, achamos que sim”, diz Breda, entre suspiros de quem tenta encontrar palavras para descrever uma realidade com que se deparou no dia anterior.

A dupla quer fazer parte da solução. Já receberam “centenas de mensagens de pessoas que querem ajudar” tanto de associações como de voluntários e também de muitas outras que precisam de ajuda. A dupla sublinha que “não é suposto termos de ir ao caixote” e aconselha quem precisar de apoio que se dirija a uma associação.

Breda reconhece no vídeo, que há “muito trabalho a ser feito, por supermercados e associações”, mas “ainda há muita coisa por fazer". Dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, referentes a 2017, mostravam que em Portugal era então desperdiçado anualmente cerca de um milhão de toneladas de alimentos.

"As pessoas não estão bem informadas acerca de como interpretar os rótulos"

“As empresas vêem-se obrigadas a deitar comida fora, pois não é permitido em Portugal a venda ou a doação de produtos fora do prazo, por questões de segurança alimentar, independentemente do tipo de validade em questão.”, explicou ao SAPO24 a representante da Too Good To Go em Portugal, Madalena Rugeroni.

A empresa Too Good To Go, cujo nome pode ser traduzido para “Demasiado bom para deitar fora”, quer combater o desperdício alimentar ao permitir que supermercados, restaurantes e hotéis vendam os excedentes alimentares, diariamente, a quem queira comprar. Isto por um preço reduzido. Só este ano, salvaram 84 mil refeições de ter como fim o lixo.

A representante da empresa que nasceu na Dinamarca, em 2016, dá conta de como é gerado excedente em loja, que depois se traduz em desperdício. “Do lado do consumidor, existe um problema com os hábitos de consumo atuais, no sentido em que as pessoas não estão bem informadas acerca de como interpretar os rótulos". Assim, não levam "os alimentos ‘feios’ (nomeadamente frutas e legumes) e compram em grandes quantidades”.

Madalena Rugeroni explica como é que se pode tornar mais simples esta doação por parte dos supermercados, restaurantes e outros estabelecimentos. A resposta pode começar por olhar para países como França ou Itália, onde já existem leis restritas no combate ao desperdício alimentar. “Em França, a lei proíbe que os supermercados locais deitem fora a comida que não é vendida e em Itália podem, por exemplo, doar alimentos que tenham passado a data de ‘consumir preferencialmente até.' "

A representante da To Good To Go acredita que em Portugal “deveria existir a mesma preocupação no combate ao desperdício alimentar como aquela que existe com a segurança alimentar, que muitas vezes não permite esta doação ou venda destes produtos que ainda se encontram elegíveis para consumo.”

A Too Good To Go tem 740 parceiros em Portugal e trabalha com todos os supermercados do Auchan no país, e algumas lojas das cadeias do Intermarché, SPAR e Meu Super. “Estamos a trabalhar para conseguirmos ser parceiros de todas as cadeias”, revela.

A luta contra a falta de informação sobre o tema é um dos objetivos deste ano. A Too Good To Go quer lançar “globalmente programas educativos em 500 escolas e trabalhar a par com o governo de pelo menos cinco países para alterar a legislação e continuar a trabalhar para um planeta sem desperdício”.

É preciso contrariar o desperdício alimentar, mas é inviável ter cidadãos que precisam de ajuda a consumir apenas o que encontram ao vasculhar em contentores. O pode um indivíduo fazer? Madalena sublinha a “responsabilidade enorme” de cada um em minimizar o desperdício alimentar, “sendo que 31% deste desperdício ocorre nas nossas casas”, diz, citando o estudo PERDA ”Do Campo ao Garfo.”, de 2012.

Madalena dá algumas dicas de como podemos ter um consumo mais sustentável: “cheirar, olhar e provar a comida antes de a desperdiçar”, congelar o que sobra e “ser criativo na cozinha”, bem como “incentivar e participar em iniciativas que combatem o desperdício alimentar”.

No que toca ao supermercado, aconselha a que se vá com regularidade às compras, mas que se traga "apenas o necessário" e comprar "alimentos mais perto do fim do prazo de validade ou frutas e legumes mais feios".

Isto a par de “consumir produtos de época e saber ler os rótulos”. Madalena alerta para uma distinção: consumir de preferência antes/antes do fim de… não quer dizer que é mau para consumo após a data e é diferente de ‘consumir até’.

Desde outubro de 2019, a Too Good To Go salvou 92 mil refeições, mas não é a única no combate ao desperdício. Existem, por exemplo, também a Phenix Portugal, que dá a oportunidade de salvar comida através da aplicação; a GoodAfter.com, um supermercado online de produtos perto ou fora da data preferencial e de stocks residuais; e ainda a FairMeals Portugal, que organiza eventos e ações de consciencialização.

“Gente bonita come fruta feia”

Há outros projetos a debaterem-se-se com o problema do desperdício de alimentos.

A cooperativa Fruta Feia dedica-se há 6 anos a evitar que o destino de frutas e legumes seja o lixo, apenas por terem um aspeto tido como não preferencial. Até janeiro deste ano, o projeto salvou duas mil toneladas de alimentos.

O seu lema é “Gente bonita come fruta feia” e distribui à segunda-feira os cabazes nos Anjos, Matosinhos e Telheiras, à terça-feira no Rato, Almada e Gaia, na quarta-feira na Amadora, Campo Santa Clara e Porto e à quinta-feira na Parede e em Braga.

As cestas da Fruta Feira, compostas por frutas e hortaliças sazonais, têm dois tamanhos: as pequenas (3/4kg) com cinco a sete variedades, pelo custo de três euros e meio, e as grandes (6/8kg) com sete a nove variedades e o custo de sete euros.

“Isto parece-lhe lixo?”

Anna Masiello, mestre em Ambiente e Sustentabilidade também usa as redes sociais para colocar perguntas pertinentes. Fazendo-se acompanhar de fotografias de grandes porções de fruta e legumes, pergunta “Isto parece-lhe lixo?”.

Numa fotografia em que tem o frigorífico cheio de comida colorida, escreve que “estes produtos são deitados foras todas as noites devido ao prazo de validade ou ‘imperfeições’ como a forma, cor ou marcas”.

A jovem, que tem um projeto sustentável em que transforma chapéus de chuva não funcionais em casacos impermeáveis (e que se preparava para começar a fazer outras peças) reitera: “Enquanto consumidores, temos o poder”. E incentiva a comprar mais “conscientemente” e a “pedir aos supermercados e lojas que façam melhor do que fazem”.

Ninguém gosta de ver comida no lixo, mas ela vai lá parar. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (dados de 2017), é desperdiçado um terço dos alimentos produzidos para consumo humano, em todo o mundo. O que perfaz um número muito elevado: 1,3 mil milhões de toneladas por ano.

Na Europa, de acordo com a mesma organização, o desperdício feito num ano ronda os 30% e pode chegar a metade dos alimentos produzidos. São 89 milhões de toneladas de alimentos que nunca chegam aos pratos dos consumidores.

Ao salvar a comida de um destino que não era esperado ter, o lixo, poupa-se também nos recursos necessários à sua produção: o solo, o fertilizante, a água, e a mão de obra, entre o uso de ferramentas e máquinas. A diminuição da emissão de gases resultantes da agricultura também é conseguida.

Pesquisa e testemunhos recolhidos por Magda Cruz