Na segunda-feira, o Diário de Notícias noticiou que "em 11 dias" houve "10% dos docentes da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL) denunciados por assédio e discriminação", através de um "canal aberto", criado pela própria instituição, para receção de denúncias.
Um dia depois, a pesquisa pelo acrónimo FDUL, nas redes sociais, mostra pouca ou nenhuma surpresa com a informação revelada. Miguel Mota Morgado, no Twitter, advogado, doutorando na European University Institute e antigo aluno e docente, escreveu num comentário à notícia: "Como muitos, não me surpreende o aqui vem descrito. É o relato de uma normalização conivente de gerações de alunos e docentes. Parabéns a esta geração por agir, fizeram melhor que a minha."
Os pequenos testemunhos em jeito de comentário que vão aparecendo são bastante coerentes, confirmando, genericamente, casos, sublinhando uma cultura de abuso de poder nas mais diversas formas e aparentando demonstrar que este não é um contexto de agora.
Marcelo Rebelo de Sousa, que entre 1985 e 1989 presidiu ao conselho diretivo da FDUL – onde se licenciou e foi professor desde 1972 – e que mais tarde foi presidente do conselho científico, afirmou hoje que, quando exerceu funções diretivas na FDUL, conheceu "casos de indisciplina ou de problemas entre docentes e discentes, poucos, pontuais".
Sobre as recentes denúncias de assédio moral e sexual e discriminação, ressalvou: "Destes não tenho conhecimento".
"Daquilo que eu me recordo da minha experiência diretiva", afirmou, "houve casos, não propriamente caracterizados como hoje o são, mas casos de indisciplina ou de problemas entre docentes e discentes, poucos, pontuais, muito poucos".
O professor catedrático de Direito, entretanto jubilado, acrescentou que "a questão que surgiu nesses poucos casos foi a dificuldade de determinar quem exercia o poder disciplinar", porque "não havia nenhum órgão da faculdade com esse poder" e "a nível da universidade também não havia".
"E houve que encontrar uma solução complexa do ponto de vista jurídico para resolver um ou dois casos que entretanto surgiram", concluiu, sem fazer mais declarações sobre este assunto.
A nova ministra da Ciência Tecnologia e Ensino Superior, Elvira Fortunato, também se manifestou hoje preocupada com os relatos de assédio na Faculdade de Direito de Lisboa, tendo sublinhado que as instituições têm de ser exemplares.
Numa nota enviada às redações, o gabinete do ministério reagiu à notícia referindo que Elvira Fortunato considera os relatos preocupantes.
“As instituições de ensino superior são espaços de liberdade e de promoção dos valores de igualdade e respeito, sem qualquer tipo de discriminação em razão do género, orientação sexual, nacionalidade ou outra, e não devem ser coniventes com as situações que violem esses princípios”, lê-se no comunicado.
As duas posições, ainda assim, sabem a pouco. Não em si, mas perante todas as outras que ainda não chegaram. A FDUL é um das universidades mais influentes do país. Segundo o ECO, 19 dos membros do anterior governo tinham sido ali formados, nomes como António Costa, Pedro Siza Vieira, Francisca Van Dunem ou Eduardo Cabrita.
É uma instituição que está na base da formação de muitos dos nossos decisores ao longo das últimas décadas. Adriano Moreira, Ana Gomes, Álvaro Cunhal, Diogo Freitas do Amaral, Fernando Rosas, Francisco Sá Carneiro, Francisco Pinto Balsemão, Jorge Sampaio, Mário Soares, Pedro Santana Lopes, a lista continua e continua.
É fundamental que todos falem. É fundamental que decisores e atores de grande influência não sejam cúmplices e que ajudem o meio académico do país neste grande passo, depois de a faculdade se ter aberto ao escrutínio e os estudantes terem apresentado aquelas que são as primeiras denúncias.
O canal aberto pela escola para a receção de denúncias recebeu 29 queixas de assédio moral e 22 de assédio sexual. Houve igualmente denúncias de práticas discriminatórias de sexismo, xenofobia/racismo e homofobia.
O relatório desta experiência, criada por iniciativa do Conselho Pedagógico, conclui pela existência de “problemas sérios e reiterados de assédio sexual e moral perpetrados por docentes da faculdade”.
No total foram recebidas 70 denúncias, 50 das quais foram validadas como relevantes. Dizem respeito a 31 docentes, ou seja, cerca de 10% do total de professores e assistentes da escola. Sete deles concentram mais de metade (30) das queixas e há um deles com nove e dois com cinco.
“Os alvos de xenofobia/racismo terão sido alunos brasileiros, negros ou originários de países africanos de língua oficial portuguesa” e “no caso do sexismo, todos os casos se referem a discriminação de pessoas do género feminino” escreve o DN.
O grande passo dado na FDUL, já deu origem a uma manifestação que se vai realizar na quinta-feira. O Movimento Contra o Assédio no Meio Académico de Lisboa está a organizar o evento e apela à participação de alunos de diversas universidades para ajudar a “normalizar a queixa e desnormalizar o assédio”.
A manifestação, agendada para as 18h00, frente à Reitoria da Universidade de Lisboa.
Este é um grande passo para a FDUL, mas pode ser um passo igualmente grande para o meio académico português, uma vez que não foi só sobre esta instituição que os relatos nas redes sociais abordaram.
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