"As famílias foram deitando menos leite no copo e chegaram a um momento em que não têm dinheiro para comprar leite todos os dias. Gente com uma expectativa de vida boa e que ousou comprar casa porque um dos grandes problemas é a habitação: casas muito caras, rendas incomportáveis e muitas famílias a viver no mesmo espaço para partilhar despesas", diz Isabel Jonet.

A presidente da Federação Portuguesa dos Bancos Alimentares Contra a Fome diz que a qualidade de vida das famílias se está a deteriorar. E alerta para a situação de muitas instituições de solidariedade social: "Já há instituições em rutura, por exemplo na Margem Sul. Na região à volta de Lisboa, muitas IPSS já não conseguem ajudar mais famílias e há muitos pedidos desta zona".

"O sapo e o escorpião" é um podcast produzido pela MadreMedia que todas as semanas trará a discussão dos temas na agenda política ao SAPO24.

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Em 2014, o governo fixou o objetivo de menos 765 mil pobres até 2030. Mas a pobreza está a agravar-se desde 2020: 4,4 mil milhões de pobres ou de pessoas com rendimento abaixo dos 554 euros mensais. Isto sem apoios sociais. Com apoios sociais o número passa para 1,9 milhões de pessoas. Mas há um milhão a viver com menos de 250 euros por mês e dois milhões a viver com menos de 450 euros por mês.

"Felizmente", afirma Isabel Jonet, "grande parte dos refugiados ucranianos foi embora e os que ficaram estão integrados, porque se tivéssemos ainda esta pressão para dar apoio a famílias que vêm de fora e que precisam de ajuda, as instituições de solidariedade social não aguentavam".

A presidente da Federação Portuguesa dos Bancos Alimentares Contra a Fome lembra que as IPSS também tiveram um acréscimo substancial das despesas - são instituições com lares, ATL e creches, que pagam agora mais cara a comida que servem nos refeitórios, a energia ou o combustível que consomem.

Clara Marques Mendes, deputada eleita pelo PSD, e que integra a Comissão de Trabalho, Segurança Social e Inclusão, garante que os "os apoios que aí vêm são manifestamente insuficientes", e lembra que a inflação, muito agravada pela guerra, tem vindo a subir desde 2011, "mas o governo atual, tendo conhecimento, não teve em conta esta realidade".

A deputada recorda que as instituições de solidariedade social são um pilar, "mas não basta dizê-lo, é preciso que o Estado as garanta e lhes dê condições para serem sustentáveis". Mas o governo está a falhar. Um exemplo disso são as medidas propostas pelos partidos no âmbito do Orçamento do Estado para 2023 e que foram chumbadas, como a isenção de IVA na alimentação para estas instituições no próximo ano.

"O governo fez há pouco tempo uma revisão do Pacto para a Solidariedade Social e estabeleceu como objetivo que o apoio do Estado chegasse aos 50%", repartindo custos com as IPSS. "A verdade é que está muito aquém desse valor, em cerca de 34%", afirma Clara Marques Mendes.

Em matéria de créditos à habitação, o advogado Marco Moreira, que segue de perto as questões ligadas ao incumprimento bancário, critica o diploma do governo para "mitigar as dificuldades sentidas no crédito à habitação", promulgado pelo presidente da República e publicado em Diário da República na última sexta-feira.

No site da Presidência da República lê-se que o diploma [Decreto-Lei n.º80-A/2022] tem como objetivo "aliviar" o crédito imobiliário. Mas, "na prática", diz Marco Moreira, "o que as pessoas podem esperar do diploma é o que já podiam esperar desde 2012". Ou seja, o mecanismo proposto prevê que os titulares de créditos à habitação e os bancos se sentem à mesa, analisem a situação e tentem encontrar uma solução.

"A primeira coisa a ter noção é que devemos evitar o incumprimento, ou seja, deixar chegar a situação ao ponto em que a coisa já aconteceu", explica o advogado. Identificar a situação de risco de incumprimento a curto prazo é também uma obrigação legal dos bancos - agora reforçada. E há sinais de que nem tudo vai para para o cliente, como o ordenado que deixa de cair na conta todos os meses ou o cartão de crédito que está a ser mais utilizado.

Por outro lado, "sabemos que a taxa de esforço [proporção entre o montante da prestação e o rendimento mensal] não deve ultrapassar os 36%, mas isso, por si só, não representa nada". É preciso perceber como é que os bancos vão aplicar a lei.

O jurista recorda que "o incumprimento tem custos eventualmente superiores à reestruturação de um crédito", para o banco e para o cliente. No entanto, é preciso medir bem as consequências de todos os passos, já que no caso do cliente pode significar uma comunicação ao Banco de Portugal, o equivalente a uma bola vermelha na concessão de empréstimos futuros e pode implicar, por exemplo, a perda do uso de cartões de crédito.

Outra medida aprovada, "curta face ao drama que as famílias vivem, mas importante", diz respeito aos planos de poupança reforma, que vão poder passar a ser utilizados para amortizar créditos à habitação, sem penalizações.

Uma conversa que pretende lançar alguma reflexão sobre a pobreza e a melhor forma de acomodar todas as despesas nestes tempos de crise, porque os orçamentos das famílias não esticam.

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