Durante a conversa com o 7MARGENS, ao fim da manhã de quarta-feira, 2 de outubro, os bombardeamentos israelitas sobre Beirute nem sempre permitiam que Christian Taoutel, 45 anos, director do departamento de História e Relações Internacionais na Universidade São José, de Beirute, ouvisse as perguntas. “Não ouço bem, os bombardeamentos cortam a comunicação”, dirá três ou quatro vezes. E quando lhe pedimos que descreva a situação, não hesita nas palavras: “É o inferno, o apocalipse. Não dormi nas últimas duas noites, e isto continua. São bombardeamentos aéreos, uma destruição massiva de quarteirões inteiros habitados por civis, de pessoas de todas as confissões.”
Realidade suficiente para acusar os média internacionais de mentirem: “Tenho visto os média internacionais e toda a gente mente e esconde a verdade sobre o genocídio que se desenrola.” O grau de devastação é enorme: “Há uma destruição intensa de Beirute, que aliás já nos tinham dito: o Governo mais extremista e criminoso da história de Israel tinha prometido de transformar Beirute em Gaza”, afirma.
O professor universitário tinha deixado o seu apartamento na noite de segunda para terça-feira. “Às 3 da manhã deixámos o apartamento, com urgência, os bombardeamentos eram muito intensos, insustentáveis".
Quando falou com o 7MARGENS, estava a dois quilómetros da periferia sul de Beirute. Mas na noite de quarta para quinta-feira iria ficar noutro sítio. “Vamos mudar de novo, porque isto é insustentável”, diz Christian Taoutel.
Sobre as origens desta crise, o professor da Universidade de São José admite que “o Hezbollah levou o Líbano para uma guerra sem o acordo da população libanesa nem do Governo do país, mas isso não justifica o massacre e o genocídio que estão a acontecer neste momento”. Em outubro, o movimento armado xiita “atingiu posições militares israelitas na fronteira, mas nunca bombardeou civis; agora, os israelitas já fizeram cerca de três mil mortos”, acrescenta, embora diga que “não há números exatos”.
“A comunidade internacional está a dormir”
Há uma solução? “Não há saída possível fora da comunidade internacional, que está a dormir”, acusa o professor da universidade que é dirigida pelos jesuítas. “Infelizmente, depois de um ano, do 7 outubro, temos um Governo criminoso em Israel, que está a atacar pessoas inocentes. Em Gaza já são mais de 50 mil mortos, um terço dos quais crianças, debaixo de um silêncio total e absoluto” da comunidade internacional, acrescenta. “Paremos de falar de direitos humanos e de convenções internacionais, é conversa fiada”, desabafa.
Regressando ainda a 7 de outubro do ano passado, quando um ataque terrorista do Hamas em Israel matou perto de 1400 pessoas e fez 3400 feridos e 251 reféns, Christian diz que “todos deploramos” esses atos. Mas para os mil mortos de 7 de outubro, “a réplica foi matar 50 mil pessoas”, afirma. “Trocámos mil mortos por 50 mil mortos; e agora é o Líbano…”
Quando se refere ao silêncio da comunidade internacional, o professor universitário diz que pensa sobretudo na União Europeia. “Os Estados Unidos também são criminosos. Basta recordar o que fizeram no Japão em 1945, no Iraque, no Afeganistão, historicamente são criminosos. Mas pergunto onde está essa União Europeia que pretende ser um lugar de paz. Como se pode dormir à noite quando sabemos que há 50 mil mortos num lugar?”
Cristão – “até me chamo Christian, diz” –, o professor afirma que “é libanês antes disso”, não se vê “apenas como cristão: não me entendo numa comunidade concreta quando estamos debaixo de bombas”. Mas sobre o papel das igrejas e de outras comunidades religiosas, Christian Taoutel diz que elas “estão a fazer muita coisa: igrejas, escolas, universidades e comunidades estão a acolher milhares de refugiados, instalados em todo o lado”. Queria, no entanto, ouvir mais do Papa Francisco: “O Papa já falou, mas seria bom falar mais, não é suficiente o que ele já fez.”
Comentários