No total, são 47 os estudantes universitários sírios que, em Portugal, estão a terminar as licenciaturas ou mestrados ao abrigo de uma bolsa de estudo atribuída pela Plataforma Global de Apoio a Estudantes Sírios (APGES), entidade criada pelo antigo Presidente português Jorge Sampaio em 2014.

Em declarações à agência Lusa, dois universitários sírios são claros: uma guerra injustificada, como todas, destruiu um país que até era próspero, vieram estudar para o estrangeiro para fugir ao conflito, choram diariamente com a distância, sentem remorsos por terem deixado as famílias, desejam rapidamente a paz e regressar rapidamente ao país

Huda Alkhateb, 31 anos (03 de janeiro de 1987) tem a agravante de os três irmãos estarem também fora do país, não sabendo do paradeiro de um deles. A mãe vive na cidade onde Huda nasceu, Salamya, capital da província de Hama, oeste da Síria, totalmente sozinha desde que a guerra vitimou o pai há apenas alguns meses.

“Foi muito duro, porque deixei sozinhos os meus pais. Depois, os meus irmãos também estão fora da Síria. O meu pai foi morto na guerra há poucos meses”, disse à Lusa Huda, que, após terminar a licenciatura em Turismo, está a concluir o mestrado, devendo começar, em junho, a tese na mesma área na Universidade Lusófona.

De qualquer forma, Huda, que chegou a Portugal a 27 de setembro de 2015, lembra que fala diariamente quase duas horas com a mãe, através das redes sociais, o que a tem ajudado a mitigar a dor que lhe assiste, de tal forma que, à questão da Lusa sobre o que pensa da guerra, se refugia no silencio.

“Tenho respostas para isso, mas é-me difícil falar. Está tudo ainda muito presente na minha cabeça”, explicou Huda, que já fala um pouco de Português, mas ainda não o suficiente para se expressar no idioma de Camões, recorrendo ao inglês.

Já Mustafa Khalil, 21 anos (nasceu em março de 1997) e igualmente natural de Salamya, expressa-se num português correto e quase sem sotaque, o que tem permitido evoluir significativamente no terceiro e último ano do curso de Informática e Matemática de Computadores no Instituto Superior Técnico (IST), cuja média atual é de 17 valores.

“Nada de mais. Tenho vários colegas com melhores notas”, disse à Lusa, com uma humildade desconcertante, lembrando que já em Salamya as avaliações no ensino secundário local eram “muito boas”, razão pela qual a atribuição da bolsa de estudos foi “mais facilitada” e que, em Portugal, encontrou um país com “pessoas muito simpáticas”, embora, culturalmente, seja tudo muito diferente.

Sobre a aprendizagem da língua portuguesa, a comparação com o árabe nada tem de grotesca – “não é muito diferente… há cerca de 3.000 palavras em comum” -, mas para garantir um português fluente foi um “período difícil” porque tinha de, ao mesmo tempo, fazer o curso e aprender a falar e a escrever corretamente.

Tal como Huda, Mustafatem um irmão também a estudar fora da Síria, país onde, porém, os pais continuam a viver provações em Salamya, mas com quem mantém um contacto diário através da Internet.

Sobre o conflito, Mustafa, que deixou a Síria com 18 anos, admitiu inicialmente que não pode dar uma opinião “aprofundada” – “por razões óbvias” -, mas considera-o “uma tragédia” e “muito triste”, apesar do “otimismo”.

“Muitas pessoas morreram, mais de meio milhão, muitas outras tiveram de deixar as suas casas, mas acho que todas as nações precisam de ter um terramoto para que se possam levantar outra vez e mudar para melhor. Por isso, há uns anos estava pessimista, mas agora estou muito otimista com o futuro da Síria”, realçou.

Surpreendentemente, Mustafa mostra-se resignado, por um lado, mas esperançoso, por outro, uma vez que, depois da tempestade costuma vir a bonança.

“Depois do terramoto [de 1755], Portugal tornou-se uma grande Nação. Por isso, estou otimista, acredito que a Síria possa fazer também o mesmo percurso. Mas é muito triste. Se tivesse poder para parar a guerra parava-a. Mas isto é o percurso das Nações. Às vezes precisamos de pagar isso para conseguir algo melhor”, sustentou.

Questionado sobre quem tem responsabilidades no conflito, Mustafá indicou ser “muito difícil responder”.

“Sou um cidadão normal, não tenho a mesma visão dos outros. A culpa é de todos os envolvidos no massacre. Todos os regimes envolvidos são responsáveis pelo sangue derramado na Síria. Às vezes não interessa de quem é a culpa, o que interessa é saber como se vai resolver isto. E para isso temos de esquecer todas as divisões, todas as alianças e começar a construir o país. Ter a democracia é isto”, defendeu.