A promessa vai passar à concretização. Espanha e Irlanda já tinham adiantado em abril a sua disponibilidade para reconhecer formalmente a Palestina enquanto Estado e agora vão fazê-lo, a 28 de maio. Ao seu lado estará a Noruega, que há muito que também é apoiante de uma solução de dois Estados entre Israel e a Palestina.
Com este reconhecimento oficial passa a haver 146 estados-membros das Nações Unidas a reconhecer a Palestina. Outros países, como a Eslovénia, já fizeram saber que têm abertura para seguir o mesmo rumo.
Qual é a posição de Portugal em tudo isto?
Há um antes e um depois das eleições legislativas de 10 de março, já que o parlamento português aprovou no dia 11 de janeiro de 2024 por larga maioria uma recomendação ao Governo para que reconhecesse o Estado da Palestina, em estreita articulação com parceiros próximos no âmbito da União Europeia.
Nessa arquitetura parlamentar, a iniciativa contou com os votos favoráveis do PS, PSD, Iniciativa Liberal, Bloco de Esquerda, PAN e Livre, contra do Chega e a abstenção do PCP. Antes ainda, no final de 2023, o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho, disse à Lusa que o reconhecimento do Estado da Palestina por Portugal “é algo que deve acontecer”, mas em coordenação com “alguns parceiros próximos” e num “momento com consequência para a paz”.
O ex-ministro reconheceu que “não vai haver um reconhecimento coletivo” por parte da UE, porque “diferentes países têm diferentes posições”, mas salientou que “pode haver um reconhecimento por parte de cinco ou seis países europeus e aí já faria sentido Portugal participar nesse movimento”.
E neste momento?
Portugal têm-se mostrado ambivalente quanto ao reconhecimento formal do Estado da Palestina. “Quanto ao reconhecimento formal, quanto a esse ato solene formal, nós estamos sempre em avaliação. Não dissemos que vamos fazer, mas também não dissemos que não o faremos”, declarou o ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, durante uma audição a 8 de maio na comissão de Assuntos Europeus no Parlamento.
Apesar de defender abertamente uma solução de dois Estados — como o fez recentemente numa entrevista ao jornal espanhol El País —, Rangel, ainda assim, tem-se escudado no papel de Portugal na votação na ONU como "um gesto inédito na diplomacia portuguesa", sem afirmar inequivocamente se e quanto vai o estado português proceder ao reconhecimento da Palestina.
O Governo português tem, como Espanha, censurado a atuação desproporcional de Israel na Faixa de Gaza, com Rangel a salientar que Portugal defende “um cessar-fogo imediato” e está “sempre ao lado da libertação dos reféns” israelitas que permanecem no enclave palestiniano desde há sete meses. “Nós temos essa concertação internacional, sempre salvaguardando que é necessário fazer a libertação dos reféns, que Israel tem direito à legítima defesa e que os dois Estados têm legitimidade, Palestina e Israel”, afirmou o ministro.
No entanto, é Rangel quem traça a diferença com a atuação de Madrid nessa mesma entrevista ao El País, dizendo que Portugal tem “uma posição muito próxima”, “embora não seja exatamente a mesma”. “Há uma diferença temporal. Fazemos consultas com outros Estados-Membros para ver qual é o momento mais oportuno para dar esse passo”, afirmou.
Não houve já tentativas anteriores de fazer Portugal reconhecer o Estado da Palestina?
Sim, em 2011, BE, PCP e Verdes apresentaram vários projetos de resolução a recomendar ao Governo que reconhecesse o Estado palestiniano. No entanto, as propostas foram bloqueadas por PS, PSD e CDS-PP. Ao invés, passou apenas um projeto conjunto do PS e PSD a recomendar o prosseguimento das negociações tendo em vista "uma solução justa e definitiva" para a criação do Estado da Palestina.
Três anos depois, foi finalmente aprovada uma recomendação para que o Governo reconhecesse o Estado da Palestina, uma proposta conjunta do PSD, CDS-PP e PS que teve nove votos contra de deputados dos grupos proponentes.
No ponto um do projeto de resolução da maioria e da bancada socialista, o parlamento instou o Governo a "reconhecer, em coordenação com a União Europeia, o Estado da Palestina como um Estado independente e soberano, de acordo com os princípios estabelecidos pelo direito internacional".
Este ponto teve os votos favoráveis das bancadas do PSD, CDS-PP e PS, à exceção dos deputados sociais-democratas Carlos Abreu Amorim, Carlos Peixoto, Adão Silva, Duarte Pacheco e Jorge Paulo Oliveira, dos socialistas João Soares e Rosa Albernaz e dos democratas-cristãos João Rebelo e Michael Seufert, que votaram contra. Neste ponto, abstiveram-se ainda Mónica Ferro, Pedro do Ó Ramos e André Cabral (PSD) e Teresa Caeiro (CDS-PP), além das bancadas do PCP, Bloco de Esquerda e Verdes.
O segundo ponto, que defendia que o Governo devesse, "em conjunto com os seus parceiros da União Europeia e internacionais, continuar a promover o diálogo e a coexistência pacífica de dois Estados democráticos, Israel e Palestina, pois só através de negociações será possível garantir a segurança e a paz naquela região", foi aprovado pela generalidade dos grupos parlamentares, contando com a abstenção de cinco deputados do PSD: Mónica Ferro, Jorge Paulo Oliveira, Carlos Peixoto, Carlos Abreu Amorim e Pedro do Ó Ramos.
Os partidos mais à esquerda viram rejeitadas as suas propostas, que recomendavam apenas o reconhecimento do Estado palestiniano, sem articulação com a União Europeia.
O que disseram Espanha, Irlanda e Noruega?
O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, que já tinha feito um périplo europeu para tentar levar mais países a reconhecer a Palestina, disse hoje no plenário do parlamento nacional que "por justiça, por coerência e pela paz, Espanha reconhecerá a existência do Estado palestiniano no próximo dia 28 de maio".
"Estamos obrigados a atuar", disse Sánchez, que considerou não ser suficiente apelar ao cessar-fogo imediato e afirmar que a solução são os dois Estados, como fazem instâncias como a Comissão Europeia. O líder do governo espanhol disse que não se pode permitir "que se destrua pela força a possibilidade dos dois Estados, que é a única solução justa e sustentável" para o "terrível conflito" no Médio Oriente, que dá garantias de segurança a Israel e que permite um “projeto de futuro de um Mediterrâneo em harmonia".
Considerando haver "uma dívida histórica" para com o povo palestiniano por parte da comunidade internacional, que desde há décadas permite o incumprimento de resoluções das Nações Unidas e de outras instâncias internacionais, Sánchez disse que “o primeiro-ministro [de Israel, Benjamin] Netanyahu não tem um projeto de paz para a Palestina. Lutar contra o grupo terrorista Hamas é legítimo e necessário depois dos ataques de outubro, mas Netanyahu está a gerar tanta dor, tanta destruição, tanto rancor que a solução dos dois Estados está em sério perigo de ser viável", afirmou.
Também o primeiro-ministro irlandês, Simon Harris, afirmou hoje que a solução de dois Estados é a única via credível para a paz e a segurança de Israel, da Palestina e dos seus povos. O reconhecimento do estatuto de Estado tem uma ressonância especial na Irlanda, dada a sua história, observou. “Assumir o nosso lugar na cena mundial e ser reconhecido pelos outros como tendo o direito de lá estar foi uma questão da maior importância para os fundadores do nosso Estado”, afirmou.
Por fim, o primeiro-ministro da Noruega, Jonas Gahr Støre, defendeu numa conferência de imprensa que “a Palestina tem o direito fundamental a um Estado independente” e que “não pode haver paz no Médio Oriente se não houver reconhecimento”.
“Ao reconhecer um Estado palestiniano, a Noruega apoia o plano de paz árabe”, afirmou, realçando que “o terror foi cometido pelo Hamas e por grupos militantes que não são apoiantes de uma solução de dois Estados e do Estado de Israel”. Como tal, o seu país irá “considerar a Palestina como um Estado independente, com todos os direitos e obrigações que isso implica”.
Os três países não deixaram de realçar nas suas declarações que Israel tem direito à autodeterminação e à defesa, pedindo também ao Hamas que liberte os reféns feitos nos ataques perpetrados a 7 de outubro de 2023.
Qual foi a reação de Israel? E das instâncias palestinianas?
O Ministério dos Negócios Estrangeiros israelita anunciou quase imediatamente após os anúncios que ordenou a retirada dos seus embaixadores na Irlanda e na Noruega.
Apesar do reconhecimento dos países quanto às exigências de Telavive, Israel Katz afirmou que a decisão de reconhecer um Estado palestiniano compromete o direito de Israel à autodefesa e os esforços para fazer regressar os 128 reféns detidos pelo Hamas em Gaza.
“Israel não se vai calar”, afirmou. “Estamos determinados a atingir os nossos objectivos: restabelecer a segurança dos nossos cidadãos, eliminar o Hamas e devolver os reféns.”
"A Irlanda e a Noruega pretendem enviar hoje uma mensagem aos palestinianos e a todo o mundo: o terrorismo compensa", afirmou em comunicado. Num tom semelhante ao adotado nos últimos meses de guerra em Gaza, Kantz afirmou que o reconhecimento da Palestina equivaleria a "recompensar o Hamas".
Em sentido contrário, o Presidente da Autoridade Nacional Palestiniana (ANP), Mahmoud Abbas, congratulou-se com o ato, afirmando que a decisão dos três países é a “consagração do direito do povo palestiniano à autodeterminação na sua terra e para a adoção de medidas reais de apoio à implementação da solução de dois Estados”.
Já o grupo extremista palestiniano Hamas atribuiu também hoje a decisão de Espanha, Irlanda e Noruega de reconhecer o Estado da Palestina à “resistência corajosa” do povo palestiniano.
“Estes reconhecimentos sucessivos são o resultado direto desta resistência corajosa e da perseverança histórica do povo palestiniano”, disse Bassem Naim, membro do gabinete político do Hamas à agência francesa AFP.
Na UE, quem reconheceu primeiro o "Estado da Palestina"?
Em 2014, a Suécia, que tem uma grande comunidade palestiniana, tornou-se o primeiro país da UE a reconhecer um "Estado da Palestina", tendo a República Checa, a Hungria, a Polónia, a Bulgária, a Roménia e Chipre feito o mesmo antes de aderir à União Europeia, em 1988.
Quando surgiu a declaração de independência e os primeiros reconhecimentos?
Em 15 de novembro de 1988, alguns meses após o início da primeira Intifada (revolta palestiniana contra a ocupação israelita), o então líder da Organização de Libertação da Palestina (OLP), Yasser Arafat, proclamou em Argel "a criação do Estado Palestiniano", com Jerusalém como capital e, poucos minutos depois, a Argélia reconhecia oficialmente um "Estado palestiniano independente".
Uma semana mais tarde, quarenta países, entre os quais a China, a Índia, a Turquia e a maior parte dos países árabes, já tinham dado o mesmo passo. Por sua vez, a maioria dos países sul-americanos seguiu o exemplo em 2010 e 2011.
Mas a Palestina já tem um pé na ONU. Como?
Numa votação histórica, em novembro de 2012, a Palestina tornou-se um Estado observador nas Nações Unidas, o que, embora não conferindo o estatuto de membro de pleno direito com voto, deu acesso às agências da ONU e aos tratados internacionais.
Graças a este novo estatuto, os palestinianos aderiram ao Tribunal Penal Internacional (TPI) em 2015, o que permitiu a abertura de investigações sobre as operações militares nos territórios palestinianos, apesar de os Estados Unidos e Israel terem denunciado esta decisão.
A Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) preparou o caminho ao admitir os palestinianos como um dos seus membros de pleno direito em outubro de 2011. De recordar também que Israel e os Estados Unidos abandonaram a organização em 2018, regressando em 2023.
Não houve avanços recentemente para a Palestina na ONU?
Sim, obteve um estatuto reforçado a 10 de maio, sendo que a Assembleia-Geral da ONU aprovou uma resolução que concede "direitos e privilégios adicionais" à Palestina e apela ao Conselho de Segurança que reconsidere favoravelmente o seu pedido de adesão plena à organização.
O projeto de resolução, apresentado pelos Emirados Árabes Unidos em representação do Grupo de Países Árabes, e copatrocinado por cerca de 40 países, obteve 143 votos a favor — incluindo de Portugal —, nove contra e 25 abstenções dos 193 Estados-membros da ONU.
Entre os novos direitos concedidos aos palestinianos nesta resolução estão o seu assento entre os estados-membros por ordem alfabética, a apresentação de propostas individualmente ou em nome de um grupo perante a Assembleia-Geral, a solicitação do direito de resposta, fazer declarações ou solicitar modificações na agenda, entre outros.
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