O ministro espanhol ‘atreveu-se’ hoje a contrariar o discurso de unidade repetido dia após dia pela chefe da diplomacia europeia e, quase em simultâneo com uma nova intervenção de Federica Mogherini a defender a existência de uma posição “comum e clara” da União Europeia (UE) relativamente à Venezuela, assumiu divergências entre os Estados-membros.
“É evidente que, neste momento, não haverá uma declaração conjunta. Há alguns [países] que continuam a opor-se” ao reconhecimento de Juan Guaidó como presidente interino da Venezuela, declarou Borrell aos jornalistas em Bruxelas.
O ministro dos Negócios Estrangeiros espanhol revelou que os Estados-membros estão a trabalhar “para elaborar uma declaração conjunta de vários países”, em linha com a posição expressa já hoje por uma maioria dos países comunitários, incluindo Espanha e Portugal.
“Terminou o prazo para que todos digam qual a sua posição e, no caso de não poder haver uma declaração comum, que seguramente não existirá além daquela que foi publicada na sexta-feira, muitos países poderão secundar uma declaração que transmita coletivamente o que o presidente do Governo [Pedro Sánchez], e outros países, disseram esta manhã”, rematou.
Borrell não nomeou, na sua conversa com os meios de comunicação, quais os países que estão a bloquear uma declaração conjunta de reconhecimento a Juan Guaidó como presidente interino, todavia, fontes diplomáticas citadas pela agência France-Presse apontam Itália como a grande responsável pelo ‘bloqueio’.
Quatro fontes diplomáticas confirmaram à AFP que será impossível a adoção de uma declaração comum, uma vez que a Itália recusou dar o seu aval ao esboço do texto, e a Grécia também expressou reservas.
O bloqueio do projeto de um texto comum dos 28 e a ausência, até ao momento, de uma tomada de posição de alguns dos Estados-membros confirma implicitamente as divisões constatadas na reunião informal dos ministros dos Negócios Estrangeiros da UE, que decorreu entre quinta e sexta-feira em Bucareste.
De acordo com a AFP, que cita fontes diplomáticas, aquela reunião gerou três grupos opostos: aqueles que eram partidários do reconhecimento de Juan Guaidó, a Itália e a Grécia, apoiantes de Nicolás Maduro, e ‘legalistas’ como a Áustria e o Luxemburgo, que preferiam encontrar uma posição comum, mas que já hoje reconheceram o presidente de Assembleia Nacional como presidente interino da Venezuela.
“Não temos mais uma política externa comum”, confiou então à AFP uma ministra sob anonimato.
As divisões entre os Estados-membros em termos de política externa são atualmente uma das grandes preocupações da Comissão Europeia.
O presidente do executivo comunitário, Jean-Claude Juncker, tem insistido, pessoalmente e através dos seus porta-vozes, na necessidade de a UE consolidar a “capacidade para falar a uma só voz em matéria de política externa”.
“Não é normal que a Europa fique paralisada no momento de prorrogar o embargo de armas imposto à Bielorrússia ou no momento de aplicar sanções à Venezuela, por falta de unanimidade. É por isso que hoje, a Comissão propõe, uma vez mais, que passemos à votação por maioria qualificada em certos domínios específicos das nossas relações externas”, disse em 12 de setembro, por ocasião do seu último discurso do Estado da União.
Naquele discurso, no qual elencou as prioridades da Comissão para o seu último ano de mandato, Juncker defendeu que a UE deveria passar a votar “por maioria qualificada em certos domínios”, nomeadamente em temas relacionados com os direitos humanos ou missões civis.
“O Tratado em vigor permite ao Conselho Europeu tomar uma decisão nesse sentido. Chegou a hora de fazermos uso da cláusula ponte prevista no Tratado de Lisboa, que permite abrir caminho à tomada de decisões por maioria qualificada – cláusula essa de que não temos sabido tirar partido”, instou.
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