A invasão de uma igreja, em San Cristobal, no Estado de Táchira, por parte de militares e polícias, na passada quarta-feira, já não surpreende o padre Alexandre Mendonça: "É uma realidade, a igreja está no país, e o país tem muita violência e em qualquer sítio podem acontecer coisas destas…”.
A Igreja Católica tomou uma posição veemente sobre estes acontecimentos de San Cristobal, mas não chegou nenhuma resposta do Governo de Nicolás Maduro. Alexandre Mendonça não se surpreende com isso.
"Do Governo, a palavra paz ouve-se a cada instante. Mas, se se preparam para a guerra, eu creio que o caminho da paz não é por aí. O caminho da paz é a construir justiça, fraternidade, perdão, solidariedade. Preparar para a guerra para alcançar paz para mim é contraditório", clarifica.
O padre Alexandre, que celebrou este domingo uma missa na capela do Centro Português, em Macaraquai, utilizou várias metáforas na homilia, recorrendo a textos bíblicos. Questionado sobre esta mensagem, Alexandre Mendonça explicou que a missão da igreja é transmitir mensagens positivas.
"Todas estas calamidades que estamos a viver têm uma resposta precisamente naquilo que veio a vencer o pecado, a morte e a escuridão, para falarmos de luz, perdão e vida e aí encontramos força para o presente e, também, coragem para enfrentar um futuro, ainda que esteja marcada por grande incerteza", disse.
O padre Alexandre, que durante a homilia se referiu à situação difícil que se vive no país, lembrou um pensamento da Madre Teresa de Calcutá e que o Papa Francisco tem usado e que também diz usar: "Quem não vive para servir não serve para viver".
Sobre os atos de violência que se registaram nos últimos dias, o pároco disse que é preciso deixar "tanta soberba, orgulho, vaidade. O nosso coração, que é de pedra, tem de transformar-se em coração de carne, para que o amor ao próximo passe a ser uma verdade tangível e não palavras vãs que o vento as leva".
Falou também nas ideologias: "Quando abandonamos Deus na nossa vida. Quando queremos substituí-lo por ideologias, quaisquer que elas sejam, passamos a acreditar num Deus que não existe. Pôr em prática aquilo que não é real leva-nos ao caminho do engano e do sofrimento".
Habituado a ver o lado positivo das coisas, lembra: "nestas circunstâncias tão difíceis, se algo há de positivo é que aprendemos a olhar mais para os que estão ao nosso lado.
O padre lusodescendente afirma que os acontecimentos de dia 30, com a posição política de Juan Guaidó, não são garantia de mudanças. "Honestamente, digo-vos que já São 50 anos de Venezuela. Não creio. Não é que não me afete, mas esperar que aquilo que se passou, que foi doloroso, até com mortos, vai trazer mudanças… Se o coração do homem não se transforma, a vida que o circunda também não se transforma".
O padre referiu-se na missa à angústia vivida em Turumo, onde celebrou uma missa também nesta manhã de domingo, e onde lhe foi passada a informação de que existiam ameaças do Governo da Venezuela por causa do dinheiro do Novo Banco retido em Portugal. Que poderia haver uma retaliação do Governo através da expropriação do Centro Português.
Esse rumor, defende o padre, não tem qualquer base factual, pelo que pediu prudência. "Não se deve inventar desgraças maiores. É nosso dever minimizar e aliviar a angústia que as pessoas já levam no seu dia a dia".
Juan Guaidó desencadeou na madrugada da passada terça-feira um golpe de força contra o regime, em que envolveu militares e apelou à adesão popular.
A iniciativa da passada terça-feira constituiu o arranque da denominada “Operação Liberdade”, que, segundo Guaidó, visa pôr termo ao que chama de “usurpação” da presidência por Nicolás Maduro.
A presidência interina de Guaidó é reconhecida por cerca de 50 países, incluindo os Estados Unidos da América, enquanto Maduro, que tem o apoio da Rússia, além de Cuba, Irão, Turquia e alguns outros países, considerou que a “Operação Liberdade” configura uma tentativa de golpe de Estado.
Nicolás Maduro, que tem sido alvo de forte contestação nas ruas, mas que aparentemente mantém o controlo das instituições, continua a contar, aparentemente, com a lealdade das chefias militares, mantendo o país num impasse.
Os confrontos registados desde a madrugada da passada terça-feira provocaram a morte de cinco manifestantes, três dos quais menores, e 239 ficaram feridos, segundo informações das Nações Unidas.
*Por João Pedro Fonseca e Felipe Gouveia (texto), Paulo Cunha (fotos)
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