No passado domingo, 30 de julho, 10 pessoas perderam a vida nos confrontos que acompanharam a eleição da Assembleia Constituinte decidida pelo Presidente Nicolas Maduro. De abril até ao momento, mais de 100 pessoas morreram, milhares ficaram feridas e o clima de instabilidade e violência faz parte do dia-a-dia dos venezuelanos.

A convocatória para a eleição dos 545 membros da Assembleia Constituinte foi feita a 1 de maio por Maduro, com o principal objetivo de alterar a Constituição em vigor, nomeadamente os aspetos relacionados com as garantias de defesa e segurança da nação, entre outros pontos.

A oposição venezuelana, que decidiu não participar na eleição, acusa Maduro de querer usar a reforma para instaurar no país um regime semelhante ao cubano e perseguir, deter e calar as vozes dissidentes.

Quem vive de perto não fica indiferente, é atingido. Maria, Luis e Orlando são três jovens venezuelanos - cujos nomes abreviamos por uma questão de segurança - e partilharam com o SAPO24 o que veem todos os dias, sempre que abrem as portas de casa.

Maria T.

"Nasci na Venezuela, em Caracas, a 24 de fevereiro de 1989. Estudei no Instituto Tecnológico em Caracas, para ser professora primária.

Sinto que na Venezuela não tenho muitas oportunidades para ganhar dinheiro para comprar, por exemplo, um apartamento ou um carro. Trabalhar como professora só vai servir para ganhar dinheiro para comer e nem para a roupa dá. A prioridade vai ser sempre a alimentação.

A nossa vida deu uma volta de 180º, porque mudaram todos os valores que tínhamos antes. Havia respeito, vontade de ajudar, honestidade, responsabilidade. Agora, parece que é cada um por si devido ao desespero. A Venezuela tornou-se numa anarquia. Podemos sair à rua para ir trabalhar e não voltar mais. As pessoas saem para ir comprar arroz - se houver - e podem ser sequestradas ou roubadas para que os outros consigam algum dinheiro. Antes havia sequestros de pessoas com posses, hoje já é de qualquer um. Se uma pessoa tiver 10€ [117 bolívares] no bolso pode ser sequestrada porque o desespero para sobreviver é enorme e não há dinheiro, alimentos ou medicamentos.

É preciso que o Governo tenha mais consciência do que está a acontecer. Afinal, o povo está, literalmente, a morrer à fome ou por falta de medicamentos. Agora, a minha mãe foi a Portugal tratar de documentos para que eu e o meu irmão possamos um dia ir para lá, e teve de comprar Paracetamol, que devia ser o mínimo, e cá nem isso temos, ou não há dinheiro para comprar.

Sinto-me triste, dececionada. O Governo dá migalhas às pessoas, que não se apercebem que estão a ser abusadas.

Sinto-me irritada, impotente. Não podemos protestar porque a polícia reprime as manifestações.

Quero sair descansada à rua, sem ter medo de que me possam assaltar. Quero sair da Venezuela e ir para Portugal."

Luis T.

"Nasci em Caracas, a 18 de janeiro de 1993. Estudei Comércio Exterior no Instituto de Novas Profissões em Caracas.

Aqui na Venezuela não tenho futuro. Licenciei-me, mas não trabalho na minha área. O ano passado estive numa empresa internacional e despediram-me porque a empresa teve de reduzir a sua atividade até novo aviso, enquanto os problemas políticos entorpecem a atividade económica. Todavia, os empresários têm esperança.

Quero sair da Venezuela, quero trabalhar noutro país, como Portugal ou Espanha. Por agora continuo a trabalhar no meu país para reunir dinheiro para ir embora no próximo ano.

Agora não posso sair como antes. Não posso ir a uma discoteca, não posso ir comprar roupa ou um perfume.

Já me roubaram inúmeras vezes. O telemóvel, os sapatos, dinheiro. Saí para ir a um centro comercial e roubaram-me a carteira e o telemóvel. O país vive um estado crítico e muito perigoso. Tenho amigos que já foram sequestrados. Estamos a caminhar para um ponto em que só há violência. Vamos a andar na rua e acontece qualquer coisa. 

Os jovens são os mais desesperados porque não veem futuro no país deles. Queremos juntar dinheiro para ir embora e não conseguimos porque o salário mínimo é cerca de 250.000 bolívares e praticamente nem para a comida dá, quanto mais para comprar algo para quando se for embora em busca de algo melhor.

Por exemplo, um amigo nosso foi despedido porque o salário mínimo passou de 200.000 para 250.000 e o patrão não podia pagar. Todos procuramos formas de ganhar dinheiro para fugir desta situação e melhorar a nossa condição de vida. Nós criámos uma loja online, de roupa de crianças, a Milier Diseños.

O Governo tem de aceitar a ajuda exterior. O povo quer essa ajuda e só não a aproveitamos porque não nos deixam. Esperemos que tudo mude. Se é que pode mudar algo."

Orlando S.

"Tenho 24 anos, sou Técnico de Turismo. Tirei o curso numa das melhores faculdades da Venezuela. Este seria o melhor país do mundo, mas atualmente vivemos uma grave situação já que não há produção nacional por falta de moeda emitida pelo Estado.

Estamos com uma das mais altas inflações do mundo, temos um Estado corrupto e sem autonomia dos poderes públicos.

Vou embora do meu país porque atualmente não há futuro nem para mim nem para os meus filhos. Não há comida, a inflação é cada dia mais alta, os salários não chegam nem para comer. Não podemos comprar a crédito porque não há como sustentar isso depois.

Vou embora pela violência que mata todos os dias milhares de Venezuelanos por um simples roubo de telemóvel. Já não há qualidade de vida."