O Supremo Tribunal de Justiça da Venezuela reverteu a decisão de assumir as funções do parlamento e anulou os poderes que havia concedido a Nicolás Maduro para rever as leis sobre crime organizado e terrorismo. Numa primeira, o tribunal tinha justificado estes poderes invocando o estado de desacato que declarou ao parlamento há mais de um ano e a possibilidade de que estivessem a ser cometidos "crimes militares" no país. O estado de desacato em que a câmara foi declarada em janeiro de 2016 foi justificado pelo facto de não terem sido afastados três deputados da oposição acusados de fraude eleitoral.
Depois de ter renunciado a assumir as funções do parlamento, o presidente do Supremo defendeu que as decisões daquele órgão pretendem beneficiar "a paz e a tranquilidade". No seu 'site', a instituição indicou que anulava a decisão de assumir os poderes legislativos da Assembleia Nacional, que os opositores classificaram como um “golpe de Estado”.
Sobre as reações contra as sentenças do Supremo que anularam a imunidade parlamentar e passaram para o poder judicial as funções do poder legislativo, Moreno considerou que se tratam de "ataques ao Estado" . "O que demonstrámos é que somos um poder autónomo, democrática e constitucionalmente constituído", afirmou Moreno, rejeitando que o Supremo esteja ao serviço do poder do Presidente venezuelano Nicolás Maduro.
A decisão anterior, de o Supremo Tribunal assumir os poderes do órgão legislativo, tinha resultado de um acordo entre representantes dos poderes públicos - exceto o Legislativo - convocados por Maduro após a condenação internacional a duas sentenças proferidas esta semana. Acusado de servir ao governo, o Supremo Tribunal de Justiça (TSJ) "suprimiu" partes de ambas as sentenças, entre elas a que conferia amplos poderes ao presidente Nicolás Maduro.
Julio Borges, presidente do parlamento e membro da oposição a Maduro, afirmou que, ainda assim, o "golpe de Estado" continua. "Não houve mudança", garantiu a jornalistas, referindo-se ao recuo do TSJ. "A sentença é o culminar de um golpe de Estado que não se corrige rasurando um parágrafo", declarou durante uma reunião da oposição em Caracas na qual convocou o início de um "movimento de mudança".
O presidente do parlamento venezuelano disse vai continuar a convocar protestos contra o Supremo Tribunal de Justiça. "O Supremo Tribunal de Justiça quer pôr maquilhagem num morto, mas já fez um golpe de Estado que não se pode corrigir", afirmou numa "sessão especial" da Assembleia Nacional realizada numa praça de Caracas, acrescentando que a sentença é o culminar de um processo que dura "há anos".
Estar na rua, afirmou, significa defender a dignidade do parlamento e continuar a sua atividade para "conseguir liberdade definitiva para a Venezuela".
O deputado Stalin González, líder da bancada da oposição, propôs durante a manifestação o início, na próxima terça-feira, de um processo para destituir da Assembleia os juízes do TSJ, porque "cometeram crimes e têm responsabilidade penal".
A renuncia do Supremo Tribunal de Justiça surge depois de o Conselho de Defesa Nacional, um órgão consultivo que junta os poderes públicos, lhe ter pedido para rever a sentença que retirava os poderes da Assembleia Nacional e limitava a imunidade dos deputados. O Conselho foi convocado pelo Presidente, depois de a procuradora-geral, Luisa Ortega, ter alertado para a "ruptura da ordem constitucional" com a primeira decisão do Supremo.
Os líderes dos poderes públicos, reunidos no chamado Conselho de Defesa, decidiram nesta madrugada "rever" as sentenças para "manter a estabilidade institucional e o equilíbrio de poderes", segundo um comunicado.
Julio Borges e Luisa Ortega recusaram participar na reunião do Conselho de Defesa, mas, Maduro afirmou que tinha mantido conversas com a procuradora-geral durante a reunião.
As sentenças do TSJ - acusado pela oposição de servir ao governo - geraram uma forte rejeição internacional, principalmente a emitida na última quarta-feira, na qual o tribunal assumiu as competências do parlamento.
O presidente do TSJ, Maikel Moreno, fez por isso questão de sublinhar numa cerimónia decorrida hoje na presença de membros do corpo diplomático que os representantes da comunidade internacional podem ter certeza de que o órgão a que preside "nunca fará nada que atente contra a estabilidade" do país.
"As decisões tomadas pelo TSJ não despojaram o Parlamento das suas funções, tão pouco o dissolveram ou anularam", sublinha também um comunicado lido por Maikel Moreno. O tribunal também "reconhece a imunidade parlamentar como uma garantia da função da atividade legislativa, com as limitações" fixadas pela Constituição, acrescenta o texto. Não obstante, esclarece que "é somente responsabilidade do órgão legislativo reassumir o válido exercício legal e legítimo de suas competências constitucionais ao acatar as decisões do poder judiciário e submeter-se ao estado de direito".
Moreno advertiu, porém, que "o poder judiciário não demonstrará passividade diante dos ataques dos quais possamos ser alvo por parte de fatores nacionais e internacionais, que hoje levantam a voz tendenciosa e desconhecedora da soberania nacional". Na sequência das decisões recentes envolvendo o presidente venezulano, o Supremo Tribunal e o parlamento, o Peru retirou o seu embaixador em Caracas e o Chile e a Colômbia chamaram os seus representantes para consultas.
A oposição acusa Maduro de ter dado um golpe de Estado, enquanto o secretário-geral da Organização de Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, denunciou um "autogolpe". A isto, o chefe de Estado respondeu ontem que, "na Venezuela, há plena vigência da Constituição, dos direitos civis e políticos, dos direitos humanos".
Maduro avisa que irá enfrentar qualquer "aventura golpista"
Fortalecida pela pressão internacional sobre o governo, a oposição a Maduro mobilizou-se neste sábado, mesmo que sob as advertências do presidente de que enfrentará qualquer "aventura golpista".
Dezenas de adversários do presidente venezuelano concentraram-se numa praça de Caracas, onde a coligação da oposição Mesa da Unidade Democrática (MUD) realizou uma sessão e anunciou novos protestos.
Após um período de letargia, em que, segundo sondagens, perdeu apoio de simpatizantes ao fracassar no diálogo com o governo, a oposição volta às ruas para exigir respeito pela Assembleia e eleições para superar a grave crise política e económica.
Diante da onda de críticas, Maduro lançou ontem uma dura advertência à oposição: "Que ninguém aproveite estas circunstâncias para aventuras, porque a vontade de enfrentar aventuras golpistas é absoluta, e eu chamaria o povo às ruas", desafiou o presidente, rejeitado por sete em cada 10 venezuelanos, também segundo as sondagens.
Maduro afirmou estar a ser vítima de um "linchamento diplomático" e de um plano liderado por Estados e governos de direita, através da OEA, para o derrubar. Ainda assim, reiterou que está disposto a retomar o diálogo que a Mesa da Unidade Democrática congelou em dezembro, alegando que o governo não tinha cumprido os acordos referentes ao cronograma eleitoral e à libertação de opositores.
O processo é mediado pelo Vaticano e pela União de Nações Sul-Americanas (Unasul).Um grupo de treze países apresentou um projeto de resolução para ser discutido na próxima segunda-feira em reunião de emergência do Conselho Permanente da OEA, a fim de declarar que as sentenças do TSJ constituem "uma violação da ordem constitucional".
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