“Um pai ou avô pode proibir um rapaz maior de 18 anos de viajar, se a viagem lhe for prejudicial, iniciando um processo no tribunal competente”, disseram as autoridades judiciais palestinianas na noite de domingo, sem dar pormenores sobre o que é considerado “prejudicial”.

“Fica proibido à mulher solteira, virgem ou não, viajar sem autorização de um tutor que a pode recusar em caso de preconceito”, continua o texto da decisão assinada pelo Presidente do Conselho Supremo, Sharia (segundo a lei corânica), Hassan al-Joujou, e que tem efeito imediato.

A linguagem da decisão denota que também uma mulher casada poderá ter problemas em viajar sem a aprovação do marido.

A medida, de impedimento a homens e mulheres, tem fortes semelhanças com as chamadas “leis de tutela” que existem há muitos anos na ultraconservadora Arábia Saudita.

A Faixa de Gaza, um enclave palestino de dois milhões de habitantes, está desde 2007 sob controlo do Hamas islâmico, ligado à tendência da Irmandade Muçulmana.

A decisão do Hamas, que ocorre num momento de eleições internas dentro do movimento e antecede as eleições legislativas palestinianas, marcadas para maio próximo, está a gerar fortes críticas na região.

Nas redes sociais, são muitos os que acusam o Hamas de reverter os direitos das mulheres, mesmo quando a Arábia Saudita está a reduzir as suas restrições, nomeadamente permitindo que as mulheres tirem a carta de condução automóvel.

A Frente Democrática para a Libertação da Palestina (FDLP, de esquerda) pediu às autoridades, num comunicado, para reverter o que considera ser uma “violação da lei palestiniana e da Declaração Universal dos Direitos Humanos”.

Zainab al-Ghunaimi, ativista que dirige um grupo com sede em Gaza e preocupado com os direitos das mulheres, disse que a decisão significa que as autoridades estão a “retroceder na proteção dos direitos humanos”, recordando que a legislação palestiniana permite que uma mulher se case aos 16 anos e obtenha documentos de viagem por conta própria.

O retrocesso nos direitos de homens e mulheres solteiros pode provocar uma reação negativa na Faixa de Gaza, mas também pode solidificar o apoio do Hamas junto da sua base conservadora, no momento em que o movimento enfrenta críticas sobre as condições de vida no território.

O Hamas não impôs o tipo de interpretação severa da lei islâmica defendida por outros grupos armados – como o grupo ‘jihadista’ Estado Islâmico (EI) ou os talibãs, no Afeganistão – mas tomou algumas medidas limitativas para fazer cumprir os costumes conservadores do território, incluindo a imposição de um código de vestimenta islâmico para advogadas e estudantes do ensino secundário.

Com sede em Genebra, o Observatório Euro-Mediterrâneo de Direitos Humanos, um agrupamento de dezenas de organizações não-governamentais, disse que a medida das autoridades de Gaza deveria ser “retirada imediatamente”, por ser considerada uma “violação” das leis dos direitos palestinianos e do Direito Internacional.