“Apurar o quê? Os caras [militares e agentes das polícias que realizaram sessões de tortura contra presos] já morreram tudo [risos]. Vai trazer os caras [torturadores] do túmulo de volta?”, afirmou Mourão, aos ser questionado por jornalistas à chegada ao Palácio do Planalto, sede da Presidência brasileira, em Brasília.
Mourão é general da reserva do Exército brasileiro e já assumiu posições de simpatia em relação à ditadura militar (1964-1985), que ele e outros militares destacados pelo atual Governo classificam como um movimento que alegadamente teria garantido a democracia face a um suposto risco de ascensão do comunismo no país na década de 1960.
Os defensores do regime militar brasileiro, porém, não comentam as denúncias de tortura, a imposição de censura e a crise económica aprofundada pela elevada inflação que foi deixada pelo militares no país ao final do regime.
Os áudios divulgados pela jornalista Miriam Leitão no jornal O Globo no domingo, captados entre 1975 e 1985, foram inicialmente obtidos pelo historiador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Carlos Fico junto do STM.
Nas sessões gravadas, abertas e secretas, os juízes militares e civis tecem comentários sobre casos de tortura que ocorreram durante a ditadura.
Um dos casos citados diz respeito a uma mulher, presa política porque fazia oposição ao regime militar, que sofreu um aborto após ser torturada com choques nos órgãos genitais.
O vice-presidente brasileiro relativizou estes casos relatados nos áudios, dizendo: “História, isso já passou, né? A mesma coisa que a gente voltar para a ditadura do Getúlio [Vargas]. São assuntos já escritos em livros, debatidos intensamente. Passado, faz parte da história do país”.
Miriam Leitão, jornalista e economista, foi presa política na ditadura militar e chegou a ser torturada enquanto estava grávida. Nos seus relatos sobre este período, ela contou ter sido torturada de diversas maneiras, uma delas com o auxílio de uma cobra jiboia que foi colocada numa sala em que ela estava presa nua.
Este episódio voltou a chamar atenção da opinião pública brasileira na semana passada depois de Eduardo Bolsonaro, deputado federal e filho do atual chefe de Estado brasileiro, ter ironizado dizendo ter pena da cobra com a qual a jornalista foi torturada.
No fim de semana, o Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, fez uma homenagem e publicou uma foto ao lado de um general acusado de tortura chamado Newton Cruz, ex-chefe da Agência Central do Serviço Nacional de Informações (SNI), que morreu de causas naturais no domingo, aos 97 anos.
Newton Cruz chegou a ser denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) e pela Comissão da Verdade, juntamente como outros 377 militares por crimes durante a ditadura militar.
A ditadura brasileira deixou 434 mortos e desaparecidos por motivos políticos e milhares de casos de tortura, segundo um relatório apresentado em 2014 pela Comissão da Verdade, após investigar violações de direitos humanos cometidas durante o regime militar.
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