A organização de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch diz no relatório “You cry at Night, but Don’t Know Why (Chora-se à noite, sem se saber porquê)” que os responsáveis norte-coreanos atuam com impunidade, dado o governo não investigar denúncias nem oferecer proteção às vítimas.

“Embora a violência sexual e baseada no género seja motivo de preocupação em todo o lado, existem cada vez mais provas a sugerir que ela é endémica na Coreia do Norte”, refere a Human Rights Watch (HRW).

Quando um funcionário numa posição de poder “escolhe” uma mulher ela não tem opção que não seja obedecer a qualquer pedido que ele faça, seja relativo a sexo, dinheiro ou outros favores, disseram muitos dos norte-coreanos ouvidos pela HRW.

“Quando lhes apetecia, guardas do mercado ou polícias pediam-me que os seguisse para uma sala vazia fora do mercado ou outro sítio qualquer”, disse Oh Jung-hee, uma antiga comerciante com cerca de 40 anos, da província de Ryanggang (norte), que abandonou a Coreia do Norte em 2014 e que contou ter sido abusada várias vezes.

“Eles consideram-nos brinquedos. Estamos à mercê dos homens”, referiu, adiantando que por a atitude ser tão comum os homens não pensam que o que estão a fazer é errado e as mulheres passaram a aceitá-la. Mas “às vezes, do nada, chora-se à noite sem se saber porquê”, confessou.

Segundo o marido de Oh Jung-hee, Kim Chul-kook, antigo professor universitário, também com cerca de 40 anos, os comerciantes como a sua mulher “têm de aceitar que a coerção sexual (por homens numa posição de poder) faz parte da dinâmica social e de mercado. É a única maneira de sobreviver”.

“A violência sexual na Coreia do Norte é um segredo notório, sem resposta e amplamente tolerado”, disse o diretor executivo da HRW, Kenneth Roth, citado no comunicado de divulgação do relatório.

Este é baseado sobretudo nos testemunhos de 54 norte-coreanos que deixaram o país depois de 2011, quando o atual líder Kim Jong-un subiu ao poder, e de oito ex-responsáveis norte-coreanos que fugiram do país, embora a HRW tenha entrevistado um total de 106 norte-coreanos (72 mulheres, quatro raparigas e 30 homens) fora do país, entre janeiro de 2015 e julho de 2018.

Centrado no abuso sexual por parte de homens em posições oficiais de poder e na resposta do governo em tais casos, o relatório utiliza pseudónimos porque “todos os sobreviventes entrevistados expressaram preocupação sobre possíveis consequências para si ou os seus familiares na Coreia do Norte”.

Segundo as entrevistadas, “os predadores sexuais incluem dirigentes de alto nível do partido, guardas e interrogadores de prisões, responsáveis da polícia, procuradores e soldados”.

A HRW indica que “na altura dos ataques, a maioria das vítimas estava sob custódia das autoridades ou era comerciante” e deparava-se com polícias ou outros funcionários devido à atividade profissional.

Yoon Su-ryun, antiga contrabandista de ervas medicinais para a China, com cerca de 30 anos, esteve detida em agosto de 2012 e foi violada por um polícia. Declarou à HRW: “Pensei que estava a oferecer o meu corpo para poder sair de lá e ir ter com a minha filha. Na altura nem sequer estava perturbada. Até pensei que tinha sorte. Agora que moro aqui (na Coreia do Sul), (eu sei que) é violência sexual e violação”.

As norte-coreanas raramente denunciam qualquer abuso, num dos países mais repressivos e pobres do mundo, além do medo das represálias e da vergonha social, faltam apoio social e serviços legais.

A HRW recomenda no relatório que o governo norte-coreano deve reconhecer o problema da violência sexual, exigir que a polícia investigue os casos independentemente da posição ou estatuto dos alegados autores e penalizar os infratores.

Pede ainda a criação de condições que permitam a existência de denúncias anónimas sobre violência sexual por parte de funcionários do governo e a recolha estatística das queixas.

A organização de defesa dos direitos humanos apela ainda à Coreia do Sul, Estados Unidos, Japão, União Europeia, agências da ONU e organizações não-governamentais com presença na Coreia do Norte para pressionarem Pyongyang a realizar as reformas recomendadas no relatório.

“As mulheres norte-coreanas não deviam correr o risco de serem violadas por responsáveis governamentais ou trabalhadores quando deixam as suas casas para ganhar dinheiro para alimentar as suas famílias”, assinalou Kenneth Roth.

“Kim Jong-un e o seu governo devem reconhecer o problema e tomar medidas urgentes para proteger as mulheres e garantir justiça para as vítimas de violência sexual”, insistiu.

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