Em novembro de 2014 o concelho de Vila Franca de Xira foi afetado por um surto de ‘legionella’, que causou 12 mortes e infetou 375 pessoas com a bactéria

De acordo com o balanço feito na altura, as vítimas mortais tinham entre 43 e 89 anos. A taxa de letalidade do surto foi de 3,2%.

Dois anos depois, ainda decorre um inquérito no Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) da Comarca de Lisboa Norte-Vila Franca de Xira.

Em julho deste ano, o Ministério Público (MP) informou que sete pessoas e duas empresas, entre elas a Adubos de Portugal (ADP), foram constituídas arguidas no inquérito relacionado com o surto de ‘legionella’.

A demora na resolução deste caso está a preocupar algumas das vítimas, que “desesperam” pela conclusão do processo.

“Ouvimos na altura os responsáveis dizerem que isto era um crime. E agora, passado dois anos e depois de algumas pessoas terem morrido, já não é crime? Está-se mesmo a ver que a culpa vai morrer solteira”, afirma à agência Lusa Joaquim Perdigoto, uma das 375 vítimas da legionella.

Joaquim Perdigoto, de 45 anos, é motorista de autocarros na Rodoviária de Lisboa e conta que a doença, que contraiu há um ano, lhe deixou sequelas: “De vez em quando tenho ataques de tosse que me obrigam a parar o autocarro. A minha resistência também nunca mais voltou a ser o que era”, lamenta.

Por seu turno, Alfredo Notario, 47 anos, recorda que esteve “à beira da morte”, mas que, felizmente, conseguiu recuperar e voltar ao trabalho.

“Na altura fui dos casos mais problemáticos. Estive mesmo entre a vida e a morte. Gradualmente tenho vindo a melhorar, mas ficaram as mazelas próprias. Muito cansaço. Nunca mais fiquei a 100%”, resume este militar da Marinha, que esteve 26 dias internado.

Numa situação pior ficou Rosa Ribeiro, de 58 anos, que depois de ter apanhando ‘legionella’ desenvolveu síndrome de Guillain-Barré (doença que ocorre quando o sistema imunológico do corpo ataca parte do próprio sistema nervoso por engano) e teve há um ano um Acidente Vascular Cerebral (AVC), que lhe paralisou parte direita da face.

“Em 2014 eu era uma pessoa e hoje sou um farrapinho. Há um ano que não consigo sair à rua sozinha para tomar um café. Para tomar banho também preciso de ajuda. Fiquei com uma incapacidade de 72%” , conta.

Rosa Ribeiro refere que na sequência destes problemas de saúde teve de deixar o trabalho que tinha no Laboratório de Engenharia Civil em Lisboa e que espera agora uma consulta na junta médica da Caixa Geral de Aposentações.

“Aos 56 anos fiquei inválida e sem culpa nenhuma. Lamento muito que ninguém tenha pedido desculpa aos doentes da legionella”, critica.

Rosa Ribeiro refere que na sequência destes problemas de saúde a mulher, que trabalha num laboratório, teve, num espaço de um ano, de meter baixa pela terceira vez consecutiva.

Questionada pela Lusa, a ADP Fertilizantes confirmou apenas que mudou de fornecedor no que diz respeito à limpeza e manutenção das suas torres de refrigeração, após o surto em 2014.

O surto, o terceiro com mais casos em todo o mundo, teve início a 07 de novembro e foi controlado em duas semanas. Na altura, o então ministro da Saúde, Paulo Macedo, realçou a resposta dos hospitais, que “trataram mais de 300 pneumonias”.

A doença do legionário, provocada pela bactéria ‘legionella pneumophila’, contrai-se por inalação de gotículas de vapor de água contaminada (aerossóis) de dimensões tão pequenas que transportam a bactéria para os pulmões, depositando-a nos alvéolos pulmonares.