Quatro partidos árabes participam das eleições, em duas listas. Afirmam representar a minoria árabe (17,5% da população). Em cada evento eleitoral, a história repete-se: têm que enfrentar as convocações de boicote feitas pelos árabes israelitas e a hostilidade dos partidos judaicos num país com três quartos da população judaica.

"Sucessivos governos israelitas condenaram a população árabe ao ostracismo", mas "a nossa luta não deve estar ausente do Parlamento, é ali que se decide a lei", diz a candidata Sondos Saleh, da aliança de partidos árabes Hadash-Taal. "Se os árabes boicotarem as eleições, o poder israelita vai eleger árabes que o representem e falem em seu nome", insiste, diante de uma centena de moradores na parte antiga de Acre.

Um famoso rapper árabe israelita, Tamer Nafar, publicou na quinta-feira um vídeo em que pede às pessoas que votem. "Ou votamos ou acabaremos expulsos da pátria", canta, enquanto aparece num ringue a lutar consigo mesmo para demonstrar as contradições da comunidade.

Ao contrário, num bairro árabe da cidade de Haifa, indivíduos não identificados cobriram cartazes eleitorais com a inscrição em vermelho: "Vou votar quando os mártires forem votar", em alusão aos mortos no conflito entre israelitas e palestinianos.

Os árabes israelitas são descendentes de palestinianos que ficaram nas suas terras após a criação do Estado de Israel, em 1948. A imensa maioria é de muçulmanos, mas também há cristãos e drusos. Têm cidadania israelita e direito ao voto.

Repúdio ou adesão

Estes debatem-se entre a solidariedade aos palestinianos e a adesão ao Estado de Israel, entre a participação e o repúdio ao sistema parlamentar.

Afirmam ser vítimas de discriminação e negligência por parte das autoridades. Quase 50% da comunidade vivia sob o umbral da pobreza em 2015. Comparativamente, o índice de pobreza em outros grupos de Israel (exceto os judeus ultraortodoxos) era de 13,5%, segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE).

Em 2015, 64% dos eleitores árabes foram às urnas.

"Por enquanto, a participação dos árabes é estimada em 51%", afirma o analista A'as al Atrache, radicado em Nazaré. O boicote ganha adeptos sobretudo entre os jovens de 18 a 30 anos, que fazem campanha nas redes sociais, acrescenta. Uma situação que se deve às divisões entre partidos árabes e à frustração com os resultados obtidos no Parlamento.

Em 2015, os partidos árabes apresentaram uma lista única para conseguirem alcançar os 3,25% de votos requeridos para entrar no Parlamento. Obtiveram um resultado histórico: 13 assentos do total de 120.

Este ano, concorrem em duas listas: Hadash-Taal, laica, e Raam-Balad, uma aliança entre um partido nacional árabe e um movimento islamita.

Já o investigador e ativista Alif Sabbagh defende o boicote. Este distingue três categorias de não votantes: os que não votam nunca porque Israel é um "Estado de ocupação e colonialista", os que se desesperam com a falta de resultados com a representação parlamentar e os indignados com as leis recentes, segundo eles, discriminatórias.

O Parlamento votou em 2018 a lei do "Estado-nação judeu", que infundiu medo entre os israelitas não judeus. Estes temem que os torne em cidadãos de segunda classe, ao fazer prevalecer o caráter judaico do país sobre outros princípios, como democracia e igualdade.

O primeiro-ministro de direita, Benjamin Netanyahu, acentuou o temor, declarando que Israel "não é o Estado de todos os seus cidadãos (...) Israel é o Estado-nação do povo judeu e unicamente do povo judeu". Numa entrevista este sábado, prometeu ainda anexar partes da Cisjordânia ocupada se for reeleito, uma dramática mudança de política, aparentemente visando unir sua base nacionalista na reta final das eleições legislativas marcadas para terça-feira.

O candidato de direita Oren Hazan publicou um vídeo inspirado numa cena do clássico filme "O Bom, o Mau e o Vilão", em que aparece na casa de banho, a sacar de um revólver para matar o deputado árabe Khamal Zahalka.

Partido acusado de racismo pode chegar ao Parlamento

Em Hebron, os filhos de colonos israelitas cantam e dançam ao redor de Itamar Ben Gvir. O seu herói pode conseguir um lugar no parlamento, alçado por um partido de extrema direita considerado racista e anti-árabe.

Itamar Ben-Gvir créditos: HAZEM BADER / AFP

É o dia da grande festa do Purim, o carnaval hebraico, em Hebron, localidade da Cisjordânia ocupada, onde centenas de colonos judeus, movidos por convicções ideológicas, vivem sob a proteção das forças israelitas, no meio de 200.000 palestinianos.

Itamar Ben Gvir mora nesta cidade, santa tanto para judeus quanto para muçulmanos. Neste dia, sente-se como um peixe dentro de água, entre dezenas de judeus que se deixam levar pelo som dos cânticos religiosos, executados numa espécie de trio elétrico. Homens e mulheres dançam separados.

É dia de festa e a maioria dos participantes não quer falar nem de política, nem das eleições legislativas de 9 de abril. Quem o faz, como Yehudit Katz, apoia Itamar Ben Gvir.

Ele e o seu partido, o Poder Judeu, propõem "a melhor solução e a mais justa para todos aqueles que vivem aqui em Israel, árabes e judeus", diz Katz.

Muitos colonos consideram que a Cisjordânia, território palestiniano ocupado por Israel há mais de 50 anos, faz parte de Israel.

Questionado sobre se o Poder Judeu é racista, Yehudit Katz responde: "claro que não". "A sua solução é conservar os não judeus, como os árabes, que sejam leais ao Estado de Israel".

Itamar Ben Gvir, advogado de 42 anos, está exultante. "Com a ajuda de Deus, estaremos na Knesset [o Parlamento israelita] porque vamos vencer", garante.

A perspetiva de o Poder Judeu conseguir um assento no Parlamento gerou um debate sobre o caráter democrático de Israel.

A sombra do kahanismo

Um debate que coincidiu com outro sobre a participação nas eleições de partidos árabes israelitas, acusados pelos seus adversários, como Ben Gvir, de apoiar o "terrorismo".

Sob pressão do primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, dois partidos religiosos nacionalistas aceitaram abrigar Michael Ben Ari e Ben Gvir, duas personalidades do Poder Judeu.

O objetivo do primeiro-ministro é tentar manter-se no cargo consolidando o bloco da direita para formar uma coligação depois das eleições.

Os adversários do Poder Judeu recorreram à comissão eleitoral e ao Supremo Tribunal  para desqualificar Ben Ari e Ben Gvir. Conseguiram com Ben Ari, autor de declarações consideradas racistas, mas não com Ben Gvir.

O Poder Judeu identifica-se com o rabino americano-israelita Meir Kahane, fundador do partido antiárabe Kach e inspirador de Baruch Goldstein, autor, em 1994, do massacre de 29 palestinos que rezavam em Hebron. Israel, Estados Unidos e União Europeia incluem Kach na lista de organizações "terroristas".

Ben Gvir, que confirma ter um retrato de Baruch Goldstein na sua sala, é afiliado a um "movimento racista, designado como organização terrorista", reforça Adalah, uma ONG árabe-israelita de defesa dos direitos humanos.

O Poder Judeu e os seus dirigentes não são racistas, mas lutam contra "os inimigos de Israel" e não contra os árabes em geral, afirmou Ben Gvir perante o Supremo Tribunal.

Problemas com a Justiça na juventude 

Sondagens de opinião atribuem à sua lista, na qual Ben Gvir aparece em sétimo lugar, entre cinco e sete assentos de um total de 120.

Em 1995, com apenas 19 anos, após a assinatura dos acordos de Oslo com os palestinianos, apareceu diante das câmaras exibindo o que, segundo ele, era a insígnia do carro do então primeiro-ministro Isaac Rabin, assassinado por um extremista judeu naquele ano.

"Chegamos a este símbolo. Chegaremos até ele", disse na ocasião.

Desde a sua adolescência, foi denunciado 53 vezes, mas vangloria-se de ter sido declarado inocente em 46 casos.

Defende os colonos acusados de violência, como os judeus radicais julgados por um incêndio que matou um bebé de um ano e seis meses em 2015 na Cisjordânia.

O Poder Judeu quer forçar "os inimigos de Israel a emigrar para conservar o caráter judeu do Estado de Israel", diz o partido na sua página na Internet.

Michael Ben Ari já ocupou um assento numa lista de direita entre 2009 e 2013, mas o partido Poder Judeu nunca entrou no Parlamento, embora em 2013 tenha estado prestes a consegui-lo.

*Por Majeda El-Batsh, Jonah Mandel e Michael Blum / AFP