Leopoldo López é uma das figuras da oposição política na Venezuela. É cofundador do partido Vontade Popular, ex-prisioneiro político (cumpriu tempo numa prisão militar e prisão domiciliária) e está exilado em Espanha desde 2023.
Opositor do regime de Nícolas Maduro, passou pela Web Summit, em Lisboa, para falar sobre Democracia e Autocracia. Luta pela democracia e combate a autocracia, palavras usadas como ponto e contraponto.
Começou por introduzir a tecnologia no tema. “Acredito que a conversa sobre tecnologia terá de ser sobre valores, liberdade, direitos humanos e eleições livres”, disse ao justificar a sua presença na conferência tecnológica.
“Na Venezuela, o povo expressou a vontade de ser livre numa eleição ganha por mais de 70% dos eleitores que votaram”, destacou. “Um voto popular que não teve reflexo na mudança de regime político”, frisou durante a conferência de imprensa que se seguiu à presença em palco, no MEO Arena.
O sucedido não é caso único no país da América do Sul. “Está a acontecer não só na América Latina. Estamos a ver situações similares em Moçambique, Geórgia, Tailândia, Uganda e Angola. As eleições foram assaltadas”, avisou. “Infelizmente, os votos parecem não contar e as autocracias estão a ganhar”, alertou.
“A tecnologia não é neutral”
“Temos de perceber que a tecnologia não é neutral”, chamou à atenção. Aqui, como noutras matérias, há a boa e a má moeda. “Pode ser promissora, mas pode conter um perigo para a democracia”, revelou.
Citou exemplos de como o lado “mau” da tecnologia pode ajudar os regimes autocratas. “A China partilha a tecnologia com regimes latino-americanos e africanos para maior controlo da população, para impedir a população de ter acesso à informação e comunicar livremente”, referiu.
“O reconhecimento facial está espalhado, os regimes controlam a população. Nas manifestações, na Venezuela, foram derrubadas estátuas do Chávez. O regime recorreu à tecnologia para reconhecer a identidade de centenas de protestantes que, entretanto, uns desapareceram, sofreram torturas e outros foram mortos”, disse.
Mas há mais. “Vemos como os autocratas usam a tecnologia para implementar um apartheid financeiro que impede indivíduos e organizações de ter acesso ao sistema financeiro. Não podemos movimentar dinheiro sem consequências que podem ser a morte”, continuou.
“O acesso grátis à internet está a decrescer. Há 20 anos pensámos que seria mundial, mas não. É o contrário”, informou.
Se os exemplos acima “limitam os movimentos democráticos para operar”, Leopoldo López apontou um caminho. “O compromisso é dar acesso livre a todo o ser humano, sem fronteiras. Depende da vontade política. Temos a tecnologia e mecanismos e necessitamos de vontade política para acontecer”, indicou.
O lado bom da moeda não foi esquecido. “A tecnologia pode ajudar indivíduos e movimentos a terem acesso à liberdade, a escapar à censura, a fugir ao apartheid financeiro e a comunicar entre si a nível global, sem fronteiras”, listou.
Esquerda, direita e errada lente ideológica
As eleições nos EUA são tema quente e, por essa ordem, subiu à mesa de Leopoldo López. “Nas eleições americanas, as pessoas votaram. O resultado é claro, no voto popular e colégio eleitoral”, disse. “Não é uma questão ideológica, ser de esquerda ou de direita. É um país de instituições sólidas, houve tensão política, mas é uma democracia”, clarificou.
“Depois temos outra realidade nos regimes autocráticos, países como a Venezuela, Cuba, Rússia, Irão, Iraque, Nicarágua, Zimbabué e outros. É outra conversa. Aí, o tema é como conquistar a democracia”, sublinhou.
“O foco tem de estar na possibilidade de as pessoas escolherem o governo que querem. Nos Estados Unidos escolheram, mas na Venezuela não conseguimos”, comparou. “Tivemos eleições, mas foram roubadas ao povo”, acusou.
Introduz os temas das fake news e da desinformação. “Afeta o mundo inteiro, todas as sociedades estão afetadas e em especial a Venezuela ou Rússia onde não há imprensa livre. É tudo sobre desinformação, propaganda, manipulação e assassínio de caratér pelos regimes”, destacou durante a conferência de imprensa. “A prioridade deve ser a democracia”, reforçou, mais uma vez.
“É a democracia, estúpido”
Instado a comentar a relação com os Estados Unidos, criticou a mudança de agenda verificada nos últimos quatro anos.
“Os americanos equivocaram-se. Pensaram que o Maduro poderia ser uma fonte de energia, mas a Venezuela já não é um petroleiro. Com Hugo Chaves produzíamos 3,6 milhões de barros. Hoje estamos a produzir 700 mil”, elencou.
“A única maneira de aumentar a produção é através da democracia. Onde estão os direitos e as regras claras, de entrada de empresas internacionais, a livre concorrência e o capital venezuelano. Nada disso irá acontecer sem a democracia”, respondeu ao SAPO24 à margem da conferência.
“Outro erro tem a ver com a emigração. Pensou-se que ao dar estabilidade, tranquilidade e recursos a Maduro, tal iria conter a emigração. Aconteceu exatamente o contrário. Os números de emigrantes quintuplicaram”, exclamou.
“Como disse James Carville, 'é a economia, estúpido', no caso da Venezuela, 'é a democracia, estúpido'. A resposta para a emigração ou direitos humanos é a democracia”, fixou o slogan junto do SAPO24.
Da nova administração liderada por Donald Trump espera ter “apoio para a única coisa capaz de resolver os problemas da Venezuela: a transição para a democracia”, anotou durante a conferência de imprensa.
Para este opositor político do regime venezuelano esperam, não só do governo norte-americano, mas de todo o mundo, “não é o apoio à oposição, mas à população que falou claramente nas eleições. Ganhou com 70%, votaram na mudança”, números que cresceriam para “90%” caso os “oito milhões” de venezuelanos que vivem fora da Venezuela não fossem impedidos de votar.
“Os regimes autocráticos apoiam-se mais do que os democratas”
“Insistimos que não estamos a lutar entre esquerda ou direita. Durante anos olhámos a Venezuela pela lente ideológica, esquerda e direita, tal como fazemos em muitos lados do mundo. O conflito que temos hoje é democracia versus autocracia”, realçou.
“A ideologia é um luxo quando estamos em democracia. É um luxo poder decidir se queremos ter uma agenda pelo clima, por exemplo. Em autocracia não podemos dizer nada”, confrontou.
“Há dois meses o Parlamento Europeu reconheceu (Edmundo) González como presidente eleito. É positivo. Mas queríamos ver os parlamentos e todas as democracias a fazer o mesmo, mas não assistimos”, lamentou.
O mesmo sucedeu-se nos vizinhos Brasil e Colômbia. “Não reconheceram Maduro, nem as eleições. Pediram provas de publicação e não aconteceu. Se Maduro não ganhou, alguém ganhou”, expôs. “Não vimos o mesmo nível de compromisso a reconhecer a verdade, a dizer que González venceu as eleições e Maduro roubou as eleições. Do Brasil, Colômbia e todas os democracias”, acentuou.
“Os regimes autocráticos apoiam-se mais que os democratas, os líderes democráticos não apoiam a democracia na agenda global”, lamentou, falha que, segundo López, tende a explicar por que razão “estamos a perder quem acredita na democracia”, sublinhou.
“É uma ameaça que exige maior compromisso dos governos democráticos: apoiar a vontade do povo quando expressa em eleições”, reforçou o opositor ao regime venezuelano e exilado político, Leopoldo López.
“Esperamos consequências, sanções em relação a quem roubou as eleições, a quem é responsável por mortes e torturas”, aludiu.
“São instrumentos que a Lei Internacional pode usar não só por um, mas por vários países, coordenados a pressionar Maduro, a permitir a transição pacífica para a democracia e aceitar o que o povo da Venezuela quis. E é o que queremos: uma transição pacífica para a democracia. E ter o governo eleito pela população”, concluiu, desta forma, o período de perguntas e respostas.
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