Há cerca de duas semanas, dois episódios que envolveram dois jogadores de futebol trouxeram à ribalta este tipo de problemas. Beka Beka, um jovem futebolista do Nice, de apenas 22 anos e tido como uma das maiores promessas francesas, ameaçou saltar de uma ponte, supostamente devido a um desgosto amoroso, que o levou a entrar num grave caso de depressão, de acordo com informações da imprensa gaulesa.

Uns dias antes tinha sido a vez de de Alisson, médio do São Paulo, de 30 anos, assumir que esteve perto do suicídio, algo que apanhou o Brasil desprevenido.

"Eu comparo muito a depressão com um pote. Ele enche, enche de água e quando chega a cima rebenta. Eu enchi, enchi e acabei por rebentar. Enchi porque guardava tudo para mim, não falava sequer com a minha mulher e depois os clubes não estavam preparados para estas situações e muitos também ainda não estão"Nilmar, ex-jogador

Em Portugal, o caso que chocou o universo futebolístico foi o de Robert Enke, guarda-redes que passou pelo Benfica e que se matou em 2009, já quando representava o Hannover, da Alemanhã. Viveu uma depressão durante antes, que sempre escondeu. Mais recentemente foi a vez de Florentino Luís, médio dos encarnados, assumir que viveu tempos complicados na temporada 2020/2021, quando representou o Mónaco, tendo recorrido aos serviços de uma psicóloga.

Resumidamente, o dinheiro não é, definitivamente, tudo.

Dia Mundial de Prevenção do Suicídio

Se tem sintomas de depressão ou tem pensamentos de suicídio saiba quem pode e deve contactar em caso de necessidade.

NÚMERO EUROPEU DE EMERGÊNCIA

112

SERVIÇO DE ACONSELHAMENTO PSICOLÓGICO (SNS 24)

808 24 24 24

SOS VOZ AMIGA

Horário:
15h30 – 0h30

Contacto Telefónico:
213 544 545
912 802 669
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CONVERSA AMIGA

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TELEFONE DA AMIZADE  

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VOZ DE APOIO

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Que o diga Nilmar, visto como um dos jogadores brasileiros com mais talento no início do novo milénio. Destacou-se cedo no Internacional de Porto Alegre e logo começaram a chover convites da Europa. A sua carreira, contudo, acabou por terminar bem mais cedo do que o esperado, tudo devido a uma depressão, como relata ao SAPO24.

“O dinheiro? Se não temos vontade sequer para levantar do sofá, para que serve o dinheiro? É quase inexplicável, pode acontecer de um momento para o outro. Eu comparo muito a depressão a um pote. Ele enche, enche de água e quando chega a cima rebenta. Eu enchi, enchi e acabei por rebentar. Enchi porque guardava tudo para mim, não falava sequer com a minha mulher e depois os clubes não estavam preparados para estas situações e muitos também ainda não estão”, começou por relatar Nilmar, dando exemplos do que pode levar os futebolistas a este tipo de situações.

"Só nos treinos e nos jogos é que nos divertimos, de resto estamos em casa, sozinhos, porque na grande maioria das vezes também não podemos ir para as ruas, para um restaurante, porque os adeptos e fãs não dão sossego"Nilmar

“Muitas pessoas podem pensar que a vida de um futebolista, principalmente os que jogam nos principais clubes, é um paraíso, mas não é. Acreditem que não é. Muitas vezes, a grande maioria, está num país estranho, totalmente sozinhos. Só nos treinos e nos jogos é que nos divertimos, de resto estamos em casa, sozinhos, porque na grande maioria das vezes também não podemos ir para as ruas, para um restaurante, porque os adeptos e fãs não dão sossego. Assim, esses futebolistas passam a vida fechados em casa, com muita solidão. O estar longe da família, dos amigos, durante muito tempo, pode ser o princípio de algo assim. É o início do encher do tal pote que depois vai rebentar”, salientou o brasileiro que terminou a carreira aos 33 anos, algo que ninguém fazia prever, tal o talento.

“Já não sentia vontade sequer para treinar, só chorava. Percebi muito tarde o que se passava comigo. Nós também temos de saber dar o grito de alerta, mas os clubes têm também de estar atentos, não somos todos iguais. Os jogadores precisam de ajuda, tal como um médico, um professor. A cabeça é um mundo de problemas, se não for bem tratada”, completou.

Nilmar
Nilmar Nilmar, à direita, foi considerado um dos melhores jogadores brasileiros no início deste novo milénio, mas uma depressão levou-o a terminar a carreira precocemente créditos: Vinicius Costa / AFP

Relatos como os de Nilmar têm sido cada vez mais recorrentes, não apenas no futebol, mas em todos os desportos de alta competição. Jorge Guerreiro, mental coach de alta performance e doutorado em psicologia desportiva nos Estados Unidos, tenta também explicar a sua visão neste tipo de episódios.

Sindicato dos Jogadores atento

Refira-se que o Sindicato de Jogadores em Portugal tem acompanhado de perto esta questão da saúde mental dos futebolistas no nosso país, com inúmeras campanhas, lado a lado com a Ordem dos Psicólogos ou ainda a Sociedade Portuguesa de Psicologia do Desporto, com quem lançou um guia prático sobre saúde mental, no qual os futebolistas podem consultar algumas das formas de perturbação mais frequentes.

Neste guia prático, para cada um dos 11 problemas associados à profissão de futebolista e potencialmente causadores de perturbação mental, é apresentada uma evidência associada, sinais de manifestação e conselhos para reverter a situação.

Saliente-se que a saúde mental é uma parte integrante da saúde e a Organização Mundial de Saúde (OMS) define-a como “o estado de bem-estar no qual o indivíduo tem consciência das suas capacidades, pode lidar com o stress habitual do dia-a-dia, trabalhar de forma produtiva e frutífera, e é capaz de contribuir para a comunidade em que se insere”.

O Sindicato dos Jogadores e a Sociedade Portuguesa de Psicologia do Desporto lançaram o projeto de promoção e prevenção da saúde mental do jogador profissional de futebol, com o objetivo de quebrar o tabu, fazendo um diagnóstico objetivo e implementando um programa de assistência aos jogadores e jogadoras.

A Ordem dos Psicólogos Portugueses, com quem o Sindicato celebrou um protocolo de colaboração inicialmente em 2019, participou, igualmente, no trabalho de revisão dos conteúdos deste guia.

“Agora há outro tipo de profissionalismo, que não se via, por exemplo, há uma década. O boom aconteceu com o caso do Enke, penso que abriu os olhos da realidade da depressão no desporto mundial"Jorge Guerreiro, psicólogo desportivo

“Um jogador de futebol ou qualquer outro atleta tem de ser visto como um qualquer outro profissional. A depressão ou o burnout não escolhe profissões e nem profissionais. No caso dos futebolistas, os que têm grande atenção sobre si, este tipo de doenças, que são doenças, até podem desencadear-se mais rapidamente, se não tiveram o acompanhamento devido”, salienta ao SAPO24 Jorge Guerreiro, que, ainda assim, vê os clubes a trabalharem mais neste sentido.

“Agora há outro tipo de profissionalismo, que não se via, por exemplo, há uma década. O boom aconteceu com o caso do Enke, penso que abriu os olhos da realidade da depressão no desporto mundial”, salientou o especialista, que dá outros exemplos do que poderá desencadear estes casos.

“Imagine um jogador que custa 50 milhões, hoje em dia já não é quase nada, mais imaginemos esse exemplo. Sai de Portugal, ou de outro país, para um país onde nunca esteve. As coisas correm mal, vai para outro país seis meses ou um ano depois. Teve pressão dos 50 milhões num país e vai ter em outro, numa nova realidade. Esteve em mobilidade, num ano, em três locais diferentes, em três culturas diferentes. É muita coisa para lidar, sem ajuda. Mas há mais situações, todas diferentes, como lesões prolongadas, contratos de trabalho que não são respeitados, dependências, investimentos mal feitos, discriminação, muita coisa”, salientou Jorge Guerreiro, dando também aquele que, para si, é o momento onde este tipo de depressões podem surgir.

“Nos finais de carreira. Há muitos que não estão preparados para isso, muitos mesmos. Os profissionais do desporto não preparam bem o final, o parar. Literalmente o parar. São acompanhados durante o seu percurso profissional, mas depois terminam, param, mas a rotina do treino faz-lhes falta. Conheço muitos que continuam com a mesma rotina, acordam e vão treinar, tudo por causa do medo de saberem que tudo terminou. Felizmente já procuram ajuda, mas imaginem o que acontecia há uma ou duas décadas nestas transições de vida”, salientou.

Robert Enke
Robert Enke O alemão Robert Enke, que passou pelo Benfica, matou-se em 2009 depois de anos a lidar contra uma depressão.

O que os 'patrões' têm de fazer?

Contratar um jogador por 100 ou mais milhões, de facto parece não ser já um problema para a grande maioria dos principais clubes mundiais. Contratam, pagam outros milhões em salários e apresentam todas as regalias e mais algumas a este tipo de futebolistas, além de um acompanhamento ao pormenor para cada um deles.

"Há muitos que não estão preparados para o final da carreira, muitos mesmos. Os profissionais do desporto não preparam bem o final, o parar. Literalmente o parar"Jorge Guerreiro

“Os grandes clubes estão preparados para todo o tipo de situações. Há funcionários para praticamente tudo, mas há jogadores e jogadores. Os clubes hoje em dia têm de traçar um perfil de cada um dos atletas. O futebol atrai muita expectativa e os atletas precisam ter uma estrutura psicológica super desenvolvida para essas exigências. Precisam também de estar mais atentos a todos os tipos de sinais, mesmos que sejam mínimos. Precisam de reparar que um dia um jogador surge de cara mais fechada do que em outro e procurar saber a razão. Procurar encontrar soluções para que no fim do treino saia com um sorriso, que vá embora com um sorriso. Um atleta não pode sair de um treino sempre de cara fechada. Hoje em dia não é só dar-lhes uma bola para chutarem, têm de dar-lhes um abraço. Um atleta pode viver em solidão durante mais de uma década, tempo que dura uma carreira normal, pela falta da família, amigos. Vivem muito tempo sozinhos e sabem tudo, leem tudo, têm toda a informação e tudo entra nas suas cabeças. E demasiada informação também pode espoletar algo que está ainda fechado dentro da cabeça deles. Por isso ser preciso o tal abraço, a tal atenção”, salientou Guerreiro, que gostava de ver os especialistas dentro, neste caso, dos relvados e não só.

"É muito importante que estejam em todos os treinos, nos balneários, têm de viajar com os clubes, têm de ajudar a resolver situações ao minutos. Ele ajudam no sentido de reduzir os sinais de ansiedade, que muitas vezes levam aos tais quadros de depressão, e mantêm-nos mais concentrados, focados, etc. Há tanto dinheiro hoje em dia no futebol que, na grande maioria dos clubes profissionais, não há desculpas para não existir este tipo de profissionais e este tipo de tratamento para com os atletas”, refere.